sábado, 17 de setembro de 2011

John Dominic Crossan e Marcus Borg: O Messias e seus seguidores


O estudo histórico de Jesus de Nazaré e de seus primeiros seguidores apresenta já larga trajetória no âmbito mundial. Durante muitos séculos, Jesus e o Cristianismo foram objeto de reflexões teológicas, a partir de denominações confessionais cristãs. Com o período moderno, tanto o catolicismo como as igrejas reformadas debruçaram-se sobre tais temas, fundamentais para as querelas entre as diferentes correntes religiosas. Eram tempos de guerras de religião, com a Europa dilacerada por conflitos sangrentos. Com o avanço do Iluminismo, em suas diversas facetas, surgiram novas preocupações, menos afeitas às contendas religiosas. Iniciava-se a busca pela historicidade. Nessa longa caminhada, o positivismo, com sua ênfase na reconstrução do que realmente aconteceu, marcou um momento importante de inflexão. A intervenção de Deus, de forma direta, nos afazeres humanos foi descartada, em benefício das explicações que fizessem redundar em causas racionais e mundanas. O século XIX testemunhou, nesse afã, um florescimento crescente da literatura científica que buscava explicar os movimentos religiosos, em geral, e o cristianismo, em particular, à luz da objetividade.


Nem por isso Jesus e o cristianismo deixaram de ser objeto preferencial daqueles dedicados à religião. A História, como disciplina nascente, voltou-se para os grandes temas, relevantes para os estados nacionais e impérios nascentes, com sua ênfase na política, nas guerras e nos estados. Os influxos da Filosofia, da Sociologia e da Antropologia, nas primeiras décadas do século XX, viriam a criar novas perspectivas e interesses no campo propriamente historiográfico. Marc Bloch, com seus reis taumaturgos, mostrava que as representações culturais, também de caráter religioso, eram tanto ou mais relevantes do que as visões tradicionais, do ponto de vista da ciência histórica. Abertas as portas das mentalidades, as religiosidades adquiriam novos estatutos também no âmbito da historiografia. Multiplicaram-se os estudos sobre os sentimentos e representações religiosas não apenas das elites, como das pessoas comuns, em sua imensa diversidade e variedade.


O Jesus histórico e a historicidade do movimento em torno do Galileu tornaram-se objeto pleno iure da historiografia. Multiplicaram-se as vertentes interpretativas, caracterizadas tanto por sua diversidade, como não poderia deixar de ser, como por seu rigor metodológico. As ferramentas básicas da pesquisa historiográfica, a partir do estudo das fontes, foram desenvolvidas de forma acurada. A tradição literária foi esmiuçada, de modo a buscar nos textos oriundos da ortodoxia todo o seu universo de composição, datação, autoria e muito mais. As pesquisas arqueológicas foram, também, essenciais para redimensionar o estudo das fontes históricas. As investigações pela Arqueologia produziram uma pletora de novos documentos, na forma de sítios arqueológicos, edifícios, artefatos de uso quotidiano, mas também inscrições. A paleografia foi, neste âmbito, de relevância particular, pela diversidade de documentos que ajudaram a iluminar a vida à época de Jesus e de seus seguidores. O estudo do Jesus Histórico e do cristianismo dos primeiros tempos tornou-se um campo historiográfico consolidado.


No âmbito internacional, publicações recentes atestam essa vitalidade, como a produção recente de John Dominic Crossan traduzida e publicada no Brasil, como BORG, Marcus J.; CROSSAN, John Dominic. O Primeiro Natal, o que podemos aprender com o nascimento de Jesus. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2008, Tradução de Vera Ribeiro. Primeiro, convém tratarmos da abordagem adotada pelos autores. Eles a definem com duas características ou aspectos: em termos históricos e parabólicos. A abordagem histórica das narrativas trata de situar as antigas simbologias em seu contexto do século I d.C.: são textos antigos em um contexto antigo. A historicidade está na imersão nas concepções de mundo que são outras, diferentes das nossas, filhas do Iluminismo e do Positivismo dos últimos dois séculos. Em seguida, e como resultado dessa busca pelas circunstâncias culturais e simbólicas antigas, a abordagem parabólica procura superar a dicotomia iluminista entre fato e fábula, acontecimentos e invenções. Parábolas, como os mitos, apresentam estruturas arquetípicas e representam não fatos, com sua irrelevância, mas mensagens perenes. A morte de uma pessoa é apenas a extinção de uma vida. O nascimento de um bebê não passa do início. O Natal e a Ressurreição, como metáforas do nascimento e do renascimento, revestem-se de relevância por sua significação não como fato irrepetível, mas como presença na reinterpretação constante do ciclo da vida.


A partir destas premissas teóricas, descortinam as especificidades de Mateus e Lucas. Este enfatiza, em seu relato, as mulheres, os marginalizados e o Espírito Santo. São Maria e Isabel, assim como, no decorrer da vida de Jesus, muitas que são mencionadas, algumas nomeadas, outras não. Dentre os marginalizados, estão os pastores já no nascimento e, depois, os pobres, os néscios, os aleijados, os coxos, os cegos. Por fim, o Espírito Santo, que caracteriza o relato da trajetória dos seguidores de Jesus após sua morte, nos Atos dos Apóstolos do mesmo Lucas. Já Mateus apresenta uma narrativa fundada na referência, sempre simbólica, às escrituras hebraicas, como na ênfase em cinco elementos, como no Sermão da Montanha, que retoma, por assim dizer, os cinco livros do Pentateuco (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio): concepção virginal de Maria, Belém como local de nascimento de Jesus, Sagrada Família parte do Egito, após o infanticídio de Herodes em Belém e sobre Nazaré.


Mateus e Lucas compartilham, segundo Borg e Crossan, da uma contraposição bem marcada entre o reino da violência do Império Romano e o Reino de Deus, fundado na justiça e na igualdade. Propõem que a simbologia da fé cristã e do Natal, em particular, seja uma contraposição ao poder imperial. Os epítetos teológicos do imperador são transpostos para Jesus: se o imperador é chamado de senhor, divino, filho de Deus, Deus, Deus de Deus, Redentor, Libertador, também Jesus, assim também com as expressões Salvador, Evangelho, Paz, todas usadas para se referirem ao governante romano. O nascimento divino de Augusto, reportado por Suetônio (Augusto, 94,4) não podia deixar de servir de parâmetro, ou de ponto de partida, em negativo, para o relato dos primeiros seguidores de Jesus. Eles não sabiam muito sobre o tema e nem se preocupavam com isso, pois consideravam sua vinda ao mundo como uma dádiva divina, oposta à opressão imperial romana, este o argumento central de Borg e Crossan. Outro grande elemento de inspiração parabólico está na leitura metafórica dos livros da Bíblia hebraica. Assim, Jesus aparece como novo Moisés em seqüências triádicas: separação, revelação, reunião; sonho/revelação, temor e interpretação.


O volume apresenta, de forma muito clara e didática, como a narrativa dos Evangelhos estava preocupada com dois aspectos: a crítica social e a luta pela justiça terra, por meio de uma apresentação metafórica desses objetivos. Consideram, portanto, o movimento dos primeiros seguidores de Jesus como parte de uma ampla e variada resistência ao domínio romano. Neste aspecto, os autores inserem-se entre as múltiplas tomadas de posição recentes, por parte da historiografia sobre o mundo romano, interessadas em estudar o mundo romano em sua diversidade e contradições. Em seguida, a leitura metafórica do relato bíblico está bem envolvida nas interpretações da História da Cultura como um campo de representações sociais. Em ambos os aspectos, portanto, os autores fazem parte de movimentos muito mais amplos e que alguns designam como pós-modernos e outros preferem chamar apenas crítica cultural. Haveria aqueles que se queixariam da pouca ênfase, nas abordagens de ambos os autores, na experiência religiosa, com seus aspectos variados, que vão dos contatos com o mundo espiritual – a apocalíptica, mas também outras sensações e interações metafísicas.


Outra obra importante merece ser mencionada: Marcus J. Borg e John Dominic Crossan, A Última Semana. Um relato detalhado dos dias finais de Jesus. Rio de Janeiro, Ediouro, 2010, tradução de Alves Calado. A Semana Santa é o ápice do calendário cristão, toda a fé está fundada nos dias finais de Jesus, que culminam no Domingo de Páscoa. Como disse Paulo de Tarso, se Jesus não ressuscitou, não há salvação cristã (I Cor. 15:14: “Se Cristo não ressuscitou, nossa proclamação e a fé de vocês foram em vão”). Os estudiosos do cristianismo inicial Borg e Crossan procuram, neste belo volume, explicar o caráter simbólico do relato da vida de Jesus e, em particular, dos seus últimos dias, como sumário de sua trajetória terrena. Não estão nem um pouco interessados em estabelecer, restabelecer, o que efetivamente aconteceu, buscar distinguir fato de ficção. Ao contrário, mostram, de maneira magistral, como apenas uma leitura alegórica, ou parabólica, como eles preferem designar, permite entender a lógica e profundidade do relato de Marcos sobre os dias finais de Jesus. Convém explicar o que eles entendem por parábola e como ela se diferencia da concepção moderna de verdade. Contrapõem a verdade positivista de algo que ocorreu e todos podem constatar de forma objetiva à subjetividade que está subjacente a uma narrativa verossímil, possível. A parábola do filho pródigo é, nesta perspectiva, prenhe de verdade, por conter uma lição: o filho gastador se afasta, gasta tudo e, quando volta para casa, é recebido pelo pai com júbilo.


Ninguém se pergunta se existiu um filho chamado tal, que tenha vivido em tal cidade, em tal época: o que importa é seu caráter universal. O mesmo é aplicado pelos autores a todos os relatos do Evangelho de Marcos e, em particular, no que se refere à sua entrada em Jerusalém, no Domingo de Ramos, até sua ressurreição no Domingo de Páscoa.


Seus argumentos são simples e claros. O relato de Marcos é grande parábola, não precisa ter nenhuma relação muito direta com os acontecimentos que uma câmera de gravação teria podido captar, se isso fosse possível àquela época. Interpretam toda a semana como uma contraposição de dois mundos, ou de duas concepções de mundo: a imperialista romana, baseada na força, e a messiânica hebraica, fundada no amor, na paz e na justiça na terra. A primeira representa a sociedade de classes, opressora, por oposição à visão camponesa da comunidade que tudo compartilha. Jesus entra montado num burrico, numa contra-parada, em relação à entrada de Pilatos e suas tropas, no Domingo de Ramos. Há dois reinos de deus em disputa: o de Roma, do imperador, aclamado como deus e filho de deus, fundado na paz resultante da violência e da dominação. E há outro reino de Deus, também nesta terra, com Jesus como Deus e filho de Deus, um caminho para a paz resultante do amor pelo próximo.


Em Marcos, nada busca descrever o que aconteceu. Tudo que se menciona tem um propósito simbólico. Assim, na terça-feira santa, Jesus, perguntado sobre o primeiro dos mandamentos, responde que “amarás o teu próximo como a ti mesmo” está junto com o amor a Deus, na frente de todos. Borg e Crossan não dizem que Jesus disse isso na terça: pouco importa. Ressoa o ensinamento de Jesus, de toda sua vida, tal como entendida por volta de 70 d.C., quando da redação do Evangelho de Marcos. E acrescentam: “amar o próximo significa recusar-se a aceitar as divisões entre respeitados e marginalizados, justos e pecadores, ricos e pobres, amigos e inimigos, judeus e gentios”.


A Páscoa, nesta leitura simbólica, representa que Jesus vive: não está entre os mortos, e sim entre os vivos. Jesus é o Senhor deste mundo e, portanto, os senhores deste mundo não o são. A Páscoa mostra que os sistemas de dominação deste mundo, como o romano e o americano, nos dias de hoje, não são obras de Deus e não persistirão. Nem todos os leitores compartilharão dessa perspectiva geral do volume, que interpreta as narrativas do Evangelho de Marcos e a vida de Jesus como entendida por seus seguidores iniciais como uma contestação da dominação de classe. No entanto, há um aspecto muito importante, bem explorado pelos autores: as diferenças de concepção do mundo dos antigos, sempre atentos à magia do mundo e alheios à noção moderna de fatos empíricos e de verdades objetivas que não dependam do observador. Os antigos, tanto gregos, romanos com hebreus, consideravam o mundo embebido em espiritualidade. O Salvador do mundo, com poderes divinos, podia ser o imperador ou Jesus, mas ambas as concepções eram religiosas e simbólicas. Por isso mesmo, a ressurreição de Jesus era tão crível quanto a ascensão do imperador morto ao mundo dos deuses. Por outro lado, a mensagem dos autores vai contra a leitura literal da Bíblia por fundamentalistas, uma leitura positivista, como eles afirmam, que busca apenas comprovar que tudo ocorreu como descrito, a despeito das contradições e divergências nos próprios textos antigos.


No Brasil, o estudo da Antiguidade tardou para desenvolver-se de forma profissional. A Universidade brasileira é tardia. Enquanto a América hispânica teve suas universidades em período colonial inicial, a universidade brasileira data do século XX e apenas começou a generalizar-se depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Os cursos de História surgiram aos poucos, com ênfase na História do Brasil, ainda que a História Antiga tenha constado dos currículos desde o início. A pesquisa só viria a consolidar-se aos poucos, com os cursos de mestrado e doutoramento, a partir da década de 1970. A História Antiga iniciou-se pela garra de aficionados que se interessavam pelo tema, mas que não tiveram, em grande parte, a oportunidade de conhecer a documentação antiga no original. A partir da década de 1980, o estudo histórico da Antiguidade torna-se mais profissional, com a crescente capacitação dos estudiosos, tanto no conhecimento dos idiomas antigos, como das outras fontes, em particular arqueológicas. O contato com a ciência internacional e a inserção na pesquisa mundial torna-se mais corrente, em especial a partir da década de 1990.


Nesta perspectiva, entende-se a trajetória dos estudos sobre a historicidade do cristianismo, no âmbito historiográfico brasileiro. Amadureceram as condições para o florescimento de pesquisas originais e isto por alguns motivos muito particulares. Por um lado, desde o período militar (1964-1985) as denominações cristãs passaram a ter uma influência crucial nos movimentos sociais. Multiplicaram-se as comunidades eclesiais de base, assim como as associações religiosas cristãs independentes. A alfabetização crescente dos segmentos populares, assim como as religiosidade emergentes, levaram à maior difusão não apenas da Bíblia, como de variada literatura espiritual. Com o restabelecimento das liberdades e do estado de direito, tudo isso levou à consolidação de um ambiente caracterizado pela diversidade religiosa, embora sempre em sua imensa maioria no espectro do cristianismo.


Estas mudanças formam o pano de fundo para o aumento exponencial de interesse, em seus diversos aspectos, por Jesus, os apóstolos e o cristianismo em geral. Surgiram produções brasileiras, tanto televisivas, como cinematográficas, voltadas para a vida de Jesus e seus seguidores, assim como programas radiofônicos, livros, revistas, CDs, DVDs, e muito mais. Marchas por Jesus, jogadores de futebol com camisetas cristãs, rezas em estádios, como nunca antes o cristianismo tornou-se tema não apenas de fé ou tradição, como de busca espiritual e de conhecimento. Tudo isto pode parecer distante da seara acadêmica, mas não convém esquecer que a ciência se faz a partir das ruas, das inquietações e dos movimentos sociais. Uma história da ciência que ultrapasse a História das Idéias, de cunho internalista, reconhece que o cerne das interpretações e compreensões científicas surge como resultante dos embates sociais. Costuma-se chamar a esta perspectiva de externalista, pois coloca a ênfase nas transformações científicas na sociedade, não no interior da ciência mesma, como se as idéias tivessem uma vida própria.


Assim, entende-se que a historiografia brasileira tenha se voltado, cada vez mais, para a religiosidade, de períodos mais recentes e mais distantes. A área de História Antiga, ao consolidar-se como campo de investigação especializado, não escapou a essa tendência. O reconhecimento da diversidade como valor, tanto no mundo como no Brasil, contribuiu, também, para que o estudo da religiosidade antiga ganhasse reconhecimento. O tempo das escolas monolíticas, das ortodoxias interpretativas e dos temas canônicos passara. Com isso, floresceram as pesquisas historiográficas sobre identidades, sentimentos, emoções, representações. O cristianismo antigo encontrou, neste ambiente, condições particularmente favoráveis. O interesse dos estudiosos pôde ser direcionado para a pesquisa acadêmica, ao corrente da literatura internacional, equipada com o comando do instrumental acadêmico, a partir do domínio da documentação escrita, material e iconográfica e das questões teóricas e metodológicas. Multiplicaram-se os centros de pesquisa historiográfica dedicados a estudos da temática cristã antiga.


John J.Collins: Flávio Josefo, a literatura apocalíptica e a revolta de 70 na Judéia


Este artigo discute as relações entre escatologia e concepção de história na obra do historiador judeu Flávio Josefo, tomando-se por eixos de análise tanto a relação por ele estabelecida entre as expectativas messiânicas dos judeus quanto às concepções meta históricas de sua obra, em si mesmas credoras da literatura apocalíptica.


Entre 74 e 79 d.C., o historiador judeu Flávio Josefo redigiu uma obra que teria lugar assegurado postumamente como um dos textos historiográficos mais famosos da Antigüidade - a Guerra dos judeus.

Pretendendo dar à Judéia do séc. I o mesmo tratamento historiográfico que Tucídides deu à Grécia do séc. V a.C., Josefo acabou indo além da mera cópia, fornecendo um quadro muito mais diversificado, em termos de abordagens explicativas, do que a mera imitação de Tucídides poderia supor. Este artigo pretende ser uma reflexão sobre uma das conexões causais estabelecidas por Josefo para explicar a guerra; farei aqui apenas considerações gerais que deverão ser aprofundadas oportunamente.

A Guerra dos judeus, daqui para frente apenas BJ, compõe-se de sete livros, que lhe conferem um tamanho comparável ao da Guerra do Peloponeso de Tucídides. Foi redigida, na forma em que nos chegou, em grego, ainda que tenha tido um original aramaico hoje perdido (BJ 1.1). Josefo deixou-nos ainda outras três obras, que serão de escasso interesse para o tema deste artigo: as Antigüidades judaicas (AJ, 20 livros, escritas após 93-94), o Contra Apião (CA, obra de apologética judaica em molde grego, posterior a 95), e uma Autobiografia (V, também escrita depois de 95). O peso da literatura apocalíptica na revolta judaica de 67 d.C. tem sido objeto de pouca discussão, ainda que as citações ligeiras abundem. Com exceção de um artigo importante de Per Bilde, o tema ainda não foi tratado de modo independente, ainda que sejam freqüentes referências ligeiras à relação apocalíptica / guerra da Judéia, tanto em autores antigos como modernos.

Este não é o lugar indicado para um tratamento da discussão moderna acerca da literatura apocalíptica; na verdade, não há o mínimo consenso sobre os termos essenciais de sua definição. Todavia, os elementos levantados por John J.Collins parecem suficientemente amplos para cobrir uma definição operacional útil da apocalíptica judaica. Segundo ele,

Apocalipse é um gênero de literatura revelatória com uma estrutura narrativa, na qual a revelação é mediada por um ser do outro mundo a um receptor humano, revelando uma realidade transcendente que é simultaneamente temporal, na medida em que busca salvação escatológica, e também espacial, na medida em que envolve outro mundo.

Collins pretende assim definir a apocalíptica tanto em termos da forma quanto do gênero. Nesse sentido, os apocalipses podem ser, na qualidade de textos literários, de dois tipos básicos:

1. Apocalipses com viagem ao outro mundo (extramundanos);

2. Apocalipses históricos.

Como gênero, é impróprio falar-se de “apocalipses”; somente poucos textos recebem esse rótulo nos manuscritos. Convém ainda distinguir entre “apocalipses” (textos de um gênero literário identificado tardiamente), “apocalipsismo” (movimentos religiosos que têm por base de identificação elementos encontráveis na literatura apocalíptica, mas que não se utilizam necessariamente da leitura dos textos apocalípticos) e “escatologia apocalíptica” (o conteúdo escatológico dos textos, i.e. sua composição teológica.

Não há acordo quanto aos elementos constitutivos da apocalíptica: no séc.XX foram feitas várias tentativas de sistematização, nenhuma delas totalmente satisfatória - como de resto não pode ser exaustiva ou perfeita qualquer classificação de elementos constitutivos de um gênero literário. Mesmo assim a definição de Collins parece a menos excludente e arbitrária.

Seja a apocalíptica entendida como gênero literário ou como movimento religioso, sua importância no mundo judaico do séc. I d.C. e no Mediterrâneo oriental como um todo é inegável. Josefo identifica o ardor messiânico com grupos políticos rebeldes da Judéia, ainda que freqüentemente de modo confuso. Os preconceitos do historiador judeu evidenciam-se de modo especialmente claro no mais eloqüente discurso de toda a sua obra, onde vincula um grupo político em particular à disseminação do crime pela Judéia:

[...] como poderíamos nós [os zelotes, grupo particularmente belicoso] esperar sermos os únicos sobreviventes de toda a nação dos judeus, como se diante de Deus fôssemos inocentes e isentos de crime - nós, que o ensinamos aos demais? (BJ 7.330)

Além disso, Josefo identifica um grupo particularmente violento de ativistas, os sicarii, com a militância religiosa, ao descrevê-los em termos semelhantes e consecutivamente:

[...] uma nova espécie de bandidos estava surgindo em Jerusalém, os chamados sicarii, que cometiam assassinatos à luz do dia, dentro da cidade [e, tendo cometido seus crimes com adagas curtas que traziam escondidas], juntavam-se ao choro e indignação gerais, nunca sendo descobertos [...] E além desses havia outro grupo de malfeitores, de mãos mais puras e intenções mais ímpias, que contribuíram tanto quanto os assassinos para o fim da paz na cidade. Mentirosos e impostores fingiam inspiração divina ao pretenderem mudanças revolucionárias, e persuadiram a multidão a agir de modo insensato, guiando-a ao deserto sob a crença de que lá Deus lhes mostraria os sinais da salvação. Félix, considerando isso o prenúncio de uma insurreição, enviou contra eles cavalaria e infantes pesadamente armados, e matou muitos (BJ 2.254-260).

A repulsa de Josefo pela apocalíptica ou inspiração profética manifesta-se de modo intenso quando se trata de denegrir indivíduos das camadas mais baixas da população, como no trecho subseqüente ao anterior:

Um golpe ainda mais duro foi dado aos judeus pelo falso profeta egípcio. Um charlatão, que tinha obtido para si próprio a reputação de profeta, esse homem apareceu no país e reuniu atrás de si uns 30 mil tolos, e liderou-os por um caminho tortuoso do deserto até o monte denominado das Oliveiras. Dali pretendeu entrar à força em Jerusalém e, após dominar a guarnição romana, tornar-se tirano do povo, empregando os que o tivessem acompanhado na invasão como sua guarda pessoal [...] Como resultado, o egípcio escapou com alguns de seus seguidores, a maior parte da força que o acompanhava foi morta ou tomada como prisioneira; o restante dispersou-se e voltou discretamente aos seus lares (BJ 2.261-263).

Estas são algumas das passagens de BJ mais importantes para a relação que Josefo estabelece entre o ardor messiânico e a guerra contra Roma. Neste artigo, discuto as relações entre a literatura apocalíptica e Josefo em torno de dois eixos centrais - a presença da apocalíptica como elemento constitutivo na obra de Josefo, e o que ele tem a dizer sobre a apocalíptica como combustível para a revolta. Na verdade o próprio Josefo não tem essa distinção posta com tanta clareza, uma vez que ele tanto se compara, envaidecido, a Daniel como repudia os rebeldes pela pretensão de interpretarem oráculos e trechos apocalípticos. Uma questão adicional se coloca pelo fato de que, como vimos acima, “literatura apocalíptica” como gênero é uma categoria moderna (e das mais recentes); não é sinônimo de expectativa messiânica, mas torna-se impossível distinguir uma de outra no mundo que Josefo descreve. É bem verdade também que nem todo líder com pretensões religiosas à realeza era necessariamente um líder messiânico - por exemplo, os casos do pastor Atronges em 4 a.C. (BJ 2.60-5 e AJ 17.278-84) e o do “falso profeta” egípcio surgido durante o governo de Félix, citado acima.


Em suma, mesmo não sendo categorias idênticas, profetas falsos e verdadeiros, livros apocalípticos, oráculos sibilinos e o texto bíblico reconhecido como sagrado na época de Josefo misturam-se. Longe de indicar confusão mental por parte de Josefo, essa mescla sublinha apenas a artificialidade das categorias que nós impomos à religiosidade judaica da época da revolta - artificialidade que, se não temos como evitar podemos ao menos olhar com suspeição.

As dificuldades que as afirmações de Josefo sobre o peso dos apocalipses e assemelhados nos colocam são muitas, mas não são de forma alguma incontornáveis. Devemos ter em conta, antes de tudo, duas coisas: Josefo não concebe a apocalíptica como gênero literário próprio, e nem leva em conta a noção de pseudepigrafia - i.e. não aborda Daniel criticamente, considerando-o um profeta do séc.VI a.C. e não como um apocalipse redigido em nome do personagem Daniel, muito posteriormente (séc.II a.C.). Mas são dificuldades que não se pode evitar; vejamos dois artigos que tratam mais detidamente da relação Josefo-apocalíptica, os de Per Bilde e de Arnaldo Momigliano.

Começemos pela análise do artigo de Momigliano, “What Josephus did not see”. A idéia central do autor é a de que o judaísmo de Josefo é apenas retórico, sendo “insosso e sem cor”, já que Josefo ignora duas das principais instituições judaicas da época, a sinagoga e a literatura apocalíptica.

Quanto à sinagoga, ela aparece efetivamente na obra de Josefo, ainda que en passant: ao ter de visitar uma na Galiléia, subitamente Josefo se vê ameaçado de morte e tem de fugir (V 293 ss.). Mas para a outra ausência, que nos interessa mais detidamente, não há como defender o ponto de vista de Momigliano.

Josefo não discute a literatura apocalíptica (seria excessivo pedir que o fizesse), mas a conhece, e de modo bastante completo: cita um apocalipse extensamente (Dn) e dá indicações de conhecer bem o livro 3 dos Oráculos sibilinos, que não são propriamente um apocalipse, mas têm muito em comum com eles (e que repetem um tema clássico na Antigüidade, o da vingança da Ásia sobre o Ocidente). A questão da ausência de referências precisas dos apocalipses em Josefo não deve conduzir à idéia de que ele os desconhecia. Momigliano opta aqui pelo caminho mais fácil, não levando em conta as complexidades do problema.

O artigo de Per Bilde é, sob todos os aspectos, melhor informado que o de Momigliano. Bilde pretende um exame mais criterioso dos termos relacionados aos apocalipses, tal como aparecem na obra de Josefo.

O termo apokalypsis não aparece na obra de Josefo, embora o verbo apokalyptein surja em quatro oportunidades (BJ 1.297, 5.350; AJ 12.90, 14.406 = BJ 1.297). Josefo usa outros termos para falar das revelações do oculto que lhe são feitas por Deus; Para a “revelação” do divino usa outros termos (p.ex. a)dh/lwn para falar de Dn, em AJ 10.210 ou deiknymi - e)pideiknu\j - em AJ 10.271; 277; no mesmo sentido apocalíptico, dhlw=n é usado em AJ 4.105; 10.177, 195, 198, 201, 202, 205, 208, 272. Mesmo quando se trata da revelação por meio de sonhos (algo que Josefo e Daniel têm em comum), o termo utilizado pelo historiador é proesêmanen para indicar aquilo que Deus havia lhe mostrado em sonhos.

Convém ressaltar aqui uma das afirmações do artigo de Bilde: Momigliano parece entender por apocalíptica apenas a escatologia militante que supõe ter sido combustível na revolta contra Roma. Se ela foi determinante na eclosão da revolta ou não, é questão que deixo em aberto; todavia, não se pode tratá-la de modo tão uniforme. O fato de a apocalíptica ser prolífica em imprecações anti-gregas ou anti-romanas não faz dela um gênero panfletário, ou pelo menos não a reduz a isso. Na verdade, ao colocar tanta ênfase na correção das mazelas terrenas por meios sobrenaturais, a apocalíptica pode conduzir antes ao quietismo místico do que à ação política direta. Além disso, a apocalíptica é solidária do desenvolvimento da idéia da ressurreição dos mortos (logo, da possibilidade de salvação individual); não se tem como avaliar o impacto da mudança de expectativa com a idéia de uma ressurreição individual - mas o gerado pela noção de era messiânica foi enorme. É de se supor, no entanto, que a precipitação do Juízo por meio da ação direta contra Roma não fosse a única via de atuação aberta aos apocalípticos. Retomarei o tema adiante.

Josefo possui três grandes “modelos” estilísticos e de conduta, que ele busca imitar: Tucídides, Daniel e Jeremias. A comparação de si mesmo aos profetas inspirados surge em vários pontos de BJ, destacando-se 3.350-354; 400-402. Posta sob a luz da imitação de profetas e personagens bíblicos em geral por Josefo, a relação entre ele e a apocalíptica reveste-se de outros problemas - o das concepções metahistóricas em geral na historiografia antiga, ou mais simplesmente do peso do judaísmo na formação da idéia de história em Josefo. Mas isso já nos leva além do escopo deste artigo e nos faria incorrer nas mesmas falhas de Momigliano e Bilde - não se trata aqui de discutir a natureza das relações entre apocalíptica e historiografia e Josefo do ponto de vista da estrutura da obra, mas de verificar o peso da apocalíptica nos eventos que Josefo descreve - e não na forma pela qual eles são descritos. Vista como a atividade profética viva no tempo de Josefo, a apocalíptica acaba por envolvê-lo também, na medida em que ele possui certos dons em comum com os heróis dos apocalipses - recebe a missão de revelar segredos por parte de Deus, é exímio em interpretar sonhos e tem a chave para o entendimento da história dos homens.

Dentro da indistinção que Josefo mantém entre profecia e apocalipses, um elemento soa particularmente estranho. Nos livros proféticos, as nações dos gentios são instrumentos divinos para a punição dos judeus (ex. Is 41; Jr 25); nos apocalipses, pelo contrário, são adversários da divindade. Josefo une esses dois pontos de vista, aparentemente contraditórios entre si, ao afirmar que Roma é potência mundial pela graça de Deus (ponto de vista profético), ao mesmo tempo em que evita falar da interpretação de Dn que define Roma como a quarta e última monarquia (ponto de vista apocalíptico). Portanto, mesmo pretendendo seguir Tucídides tão de perto quanto possível, Josefo repete o padrão de compreensão da história deuteronômico - pecado - punição - perdão.

De todo modo, misturar os elementos apocalípticos com os historiográficos em Josefo só faz adicionar complicadores à questão: apocalipses tratam da história em termos de seu sentido geral e não da análise racional de eventos particulares do passado. Um texto historiográfico, ainda que não tenha como se isentar de concepções metahistóricas, religiosas ou seculares, apóia-se nas evidências de que o historiador dispõe, e que lhe impõem limites. Nesse sentido, não há como considerar Josefo, Daniel ou o apocalipse siríaco de Baruch (2Br) como semelhantes. Foi feita uma tentativa particularmente desastrada nesse sentido por parte de Pierre Vidal-Naquet, o qual afirma que o discurso de Eleazar ben Yair aos defensores de Masada (última fortaleza a ceder aos romanos) seria um apocalipse. O discurso consiste numa longa e erudita exortação ao suicídio, tido por Eleazar como preferível à desonra da captura; sob qualquer ângulo que se analise, um discurso típico da historiografia antiga. Não se tem como levar a sério a afirmação de Vidal-Naquet - a menos que esvaziemos o termo “apocalipse” de qualquer significação precisa, e o utilizemos em sentido vulgar. Nesse caso, qualquer texto de tom mais sombrio passa a ser um “apocalipse”; tal é a conseqüência lógica do raciocínio de Vidal-Naquet, que no entanto admite a semelhança essencial do discurso de Masada com outros na historiografia antiga.

Para o outro aspecto da discussão (o da culpa que Josefo atribui à expectativa messiânica), faz-se necessária uma análise das relações que Josefo estabelece entre a dissensão civil na Judéia (stasis), a guerra contra Roma e a referida literatura apocalíptica produzida até o final do séc.I d.C., já que por vezes todo esse conjunto de referências parece se entrecortar na perspectiva de Josefo. Apesar do esforço para fazer dialogar entre si conceitos tão diferentes como stasis e messianismo, deve-se ter em mente que Josefo foi virtualmente ignorado tanto pelo público greco-romano quanto pelos judeus, tendo sido catapultado para a divulgação universal pela patrística; o público judeu a que Josefo parece endereçar-se no começo de BJ acabou lendo-o de modo imprevisto, em termos de exortação à piedade religiosa e resistência cultural. Um fenômeno de difícil explicação a esse respeito é o fato do único manuscrito completo do Apocalipse siríaco de Baruch (2Br), o Ambrosiano, ter junto de si o livro 6 de BJ - que trata da queda de Jerusalém. Mais bizarro ainda é o fato desse trecho de Josefo ser apresentado, no Ambrosiano, com o título de Quinto livro dos Macabeus (5Mc).

As primeiras referências que encontrei para o estudo do tema deste artigo surgiram com as leituras das obras de Martin Goodman, Mireille Hadas-Lebel e Norman Cohn, autores que tratam, todos, dos vínculos entre apocalíptica e a guerra. O ponto de vista de Hadas-Lebel e Cohn é o mais comum, escusando de maiores discussões: para eles, a apocalíptica possui inequivocamente uma parcela de responsabilidade nos eventos que culminarão com a destruição do Templo.

Todos os autores que tratam do tema têm, com pequenas variações, admitido a análise de Josefo relacionando a eclosão da revolta à expectativa apocalíptica como verdadeira e sincera. A exceção notável é a obra de Martin Goodman supracitada. Para ele, a revolta foi apenas uma tentativa de golpe das elites judaicas sobre Roma; Josefo, ele próprio mais comprometido com a revolta do que gostaria de admitir aos seus novos amigos romanos, trata simplesmente de isentar a elite judaica da responsabilidade pela guerra, preferindo atribuí-la às camadas mais baixas da população e aos líderes rebeldes que, em seu desvario, inflamaram o populacho contra Roma. Em linhas gerais, a tese de Goodman consiste em relativizar a importância da apocalíptica como instrumento de propaganda política anti-romana - e apóia-se para isso no argumento lógico de que, ao supor uma salvação transcendente, a apocalíptica revela-se muito mais quietista do que revolucionária.

Outro caminho para a avaliação do peso das expectativas de iminência escatológica presentes na revolta de 70 é o estudo comparativo dos diversos personagens proféticos, leigos ou sacerdotais, que surgem na obra de Josefo, mas a indistinção que o historiador mantém entre gêneros literários diferentes não diminui a relevância do estudo da presença apocalíptica na sua obra.

Um tema correlato que merece tratamento individual é a relação que Josefo estabelece entre a chamada “Quarta Filosofia” e a revolta. Para efeitos didáticos, Josefo oferece aos seus leitores um quadro sinótico da religiosidade judaica de seu tempo, afirmando existirem quatro “filosofias” - fariseus, saduceus, essênios e a “Quarta Filosofia”. As definições dos três primeiros segmentos não nos dizem respeito aqui, mas esse último grupo, segundo Josefo, iguala-se aos fariseus em suas concepções teológicas – com a diferença importante de nutrir um amor à liberdade extremado e não aceitar, em hipótese alguma, a dominação romana.

Mas além da honestidade de Josefo ser questionável (aqui como em todas as passagens em que ele descreve seus opositores, ou os que não compartilham de suas idéias), há um argumento adicional a ser considerado, levantado por Martin Goodman. A expectativa messiânica e seu veículo de divulgação, a literatura apocalíptica, não foram “inventados” nos anos que antecederam a revolta. Em 70, ambos já têm mais de dois séculos de desenvolvimento atrás de si, sem contar suas raízes mais distantes no AT. Tudo isso sugere que a expectativa messiânica que envolvia as tribulações da era imediatamente anterior ao Messias não era o principal fator de agitação das massas - antes baseava-se na aceitação plena e passiva dos males do momento como etapas antecipadoras da vinda do Messias.

Fervorosa expectativa milenar podia coexistir com lealdade completa à ordem política: como em círculos cristãos do século II, assim também na Judéia tais esperanças poderiam provocar apenas quietismo político.

Contra essa tese, pode-se objetar que a formulação teológica de um conceito não exige sua aplicação prática imediata, e que teriam sido necessários todos os demais fatores étnicos, econômicos e administrativos citados por Josefo para fazer com que a apocalíptica se tornasse, finalmente, uma força explosiva na Judéia do séc.I.

Os “falsos profetas”, denunciados com tanto vigor por Josefo, podem igualmente constituir um canal para se entender a penetração popular da literatura apocalíptica no seio dos revoltosos (AJ 17.278-284;20.171 e BJ 2.60-65,262,263;6.283-285); novamente coloca-se a indistinção, pelo historiador, entre profetas, apocalípticos e divinadores em geral. Como elemento diferenciador básico entre literatura profética e apocalíptica, modernamente adota-se o critério de considerar a primeira um tipo de literatura originário da tradição oral e a segunda, um gênero que desde o seu surgimento veicula-se sob a forma de livro. Outras características da apocalíptica, como a pseudonímia, as viagens pelos céus etc. não têm como ser analisadas em detalhe aqui. Mas algumas das referências de Josefo aos falsos profetas merecem ser consideradas ainda que brevemente, uma vez que o tipo de atitude que descrevem está muitas vezes em conformidade com outras evidências para o profetismo da época (NT, Qumran, apocalíptica). Um caso dos mais notáveis em sua obra é o dos judeus mortos no Templo, aguardando o Messias (BJ 6.283-285):

Eles devem sua destruição a um falso profeta, que naquele dia proclamou ao povo da cidade que Deus lhes mandara subir ao Monte do Templo, para receber os sinais de sua salvação. Vários profetas, naquela época, foram subornados pelos tiranos [termo pelo qual Josefo designa ofensivamente os líderes rebeldes] para iludir o povo, exortando-o a aguardar o socorro divino, com o intuito de desencorajar as deserções e exortar os que estavam acima do medo e da precaução a terem esperança. Na adversidade os homens são persuadidos com facilidade; mas quando o impostor promete alívio das tribulações, então os que sofrem entregam-se por completo à expectativa (BJ 6.285-287).

Esse é um tema que merece atenção especial. Com todo o seu cinismo, Josefo não chega ao extremo de Políbio, que diz explicitamente que a religião é um instrumento de controle das massas; porém, a vinculação feita por Josefo entre oportunismo político e ativismo messiânico é única entre os grandes historiadores antigos. Em casos mais recentes, essa associação é moeda-comum - em seu estudo sobre movimentos milenaristas e messiânicos no norte da Europa ao longo da Idade Média e até o séc.XVII, Norman Cohn fornece exemplos à exaustão de indivíduos que buscaram, na predição do milênio, o proveito pessoal. O testemunho de Josefo, todavia, deve ser tomado com grande reserva, uma vez que sua parcialidade para com os líderes rebeldes é notória e a alegação de suborno pode ser apenas mais um insulto lançado sem cuidado ou compromisso com as evidências lançado por Josefo contra os revoltosos. Talvez seja apenas, como resmunga Vidal-Naquet, o “feroz espírito de classe de Josefo” em ação.

Outro aspecto que se manifesta tanto na apocalíptica strictu sensu quanto nas formulações metahistóricas de Josefo é o da adivinhação onírica; têm sido publicados diversos estudos acerca do papel das práticas divinatórias ligadas ao sono e aos sonhos. Eles representam elementos fundamentais da cadeia explicativa concebida por Josefo para explicar tanto o curso da história em geral como sua deserção individual para o campo romano - o episódio do sonho que o historiador teve em Jotapata é decisivo; nele, fica claro que o “governante do mundo” de que falam certos textos - Josefo não nos diz quais, talvez os Oráculos sibilinos 3.350-380 - é o imperador Vespasiano, e não o messias de Israel:

Refletindo sobre essas coisas [a morte de um certo Jesus, tido como louco e que passava os dias a apregoar aos berros a ruína de Jerusalém] vemos que Deus se importa com os homens, mostra ao Seu povo, por meio de todo tipo de sinais, o caminho da salvação, enquanto a sua destruição é devida à loucura e calamidades geradas por eles mesmos [...] Mas o que os incitou à guerra mais do que tudo foi um oráculo ambíguo, encontrado em seus livros sagrados, que dizia que naquele tempo alguém do seu país tornar-se-ia governante do mundo. Eles entenderam isso como dizendo respeito a alguém de sua própria raça, e muitos sábios se perderam com essa interpretação. O oráculo, na verdade, dizia respeito à ascensão de Vespasiano, proclamado imperador em solo judaico. Por tudo isso, é impossível aos homens escaparem ao próprio destino, mesmo quando podem antevê-lo (BJ 6.310-315).

Na literatura apocalíptica a referência a sonhos e processos onírico-divinatórios é também freqüente; o próprio Josefo tem pelo menos um sonho de importância crucial para a obra e para o desenvolvimento de sua concepção providencial de história:

[...] subitamente vieram à sua mente aqueles sonhos noturnos, nos quais Deus lhe tinha revelado o destino iminente dos judeus e dos soberanos romanos. Ele [Josefo] era um intérprete de sonhos e hábil em adivinhar os proferimentos ambíguos da divindade; ele mesmo era sacerdote, e descendente de sacerdotes, e ele não ignorava as profecias dos livros sagrados. Naquele momento teve a inspiração de ler seu significado, e, lembrando-se das imagens recentes de sonhos terríveis, rezou em silêncio a Deus. ‘Já que Te agrada’, ele disse, ‘a Ti que criaste a nação dos judeus, destruir a Tua obra, já que a fortuna passou para os romanos, e já que Escolheste meu espírito para anunciar o que está por vir, rendo-me de boa vontade aos romanos e me permitirei viver; mas És testemunha de que não vou como traidor, mas como Teu ministro (BJ 3.352-354).

Mais do que isso, Josefo possui uma concepção meta-histórica semelhante à do livro de Daniel - mesmo a divergência no que respeita à interpretação de Roma como a última monarquia não pode ser computada como diferença quanto a Daniel, já que a identificação com Roma é tardia e não da época da redação efetiva do livro. Ambas supõem que o governo do mundo só pode ser exercido por consentimento ou comando divino - embora a coexistência da “fortuna” com Deus forneça um toque exótico à argumentação de Josefo.

Não obstante, não são apenas algumas tradições recentes que associam Roma à quarta monarquia; é o entendimento corrente em São Jerônimo e na patrística, embora a interpretação que nega que o quarto reino seja Roma e sim a Grécia seja mais antiga (e correta) - 4Esd 12:10-12 e OrSib 3.397. É também a da versão siríaca (Dn 7:7 peshitta).


O papel de Roma como potência estrangeira, pagã, inimiga de Deus etc. é virtualmente eliminado pelo historiador judeu como elemento causador ou potencializador da revolta, uma vez que Josefo não está particularmente interessado nas causas da guerra, mas antes no que conduziu à destruição do Templo; nesse sentido, Josefo lista os erros dos rebeldes, responsáveis pela queda da cidade: essencialmente a crueldade, o pecado e o autoritarismo. E por “pecado” os apologetas cristãos entenderam tratar-se da morte de Jesus - um trecho de AJ que, interpolação parcial ou total, merece atenção mínima de Josefo (AJ 18.63-64).

A ênfase na herança clássica de Josefo, minimizando as conexões judaicas de sua formação e de sua obra, pode ainda levar o pesquisador a questões errôneas ou mal formuladas, como a da aparente incompatibilidade da noção pagã de tyché (empréstimo de Políbio) e o papel de Deus na história; nesse caso não há qualquer complicação maior, já que, ainda que o historiador judeu use os dois termos indistintamente, a ação da Fortuna permanece sempre subordinada aos planos divinos, e não chega a haver contradição, na ótica de Josefo, em se servir simultaneamente do instrumental clássico da historiografia grega e da tradição judaica. Mas o uso do termo grego não deixa de manter o monoteísmo essencial de sua reflexão sobre a história, veiculado muitas vezes sob a forma de discursos postos na boca de generais romanos.

Evidentemente, é mais fácil discutir a presença de concepções apocalípticas em Josefo do que definir o papel da apocalíptica e da expectativa messiânica que lhe corresponde como fatores decisivos na guerra (na realidade a escassez documental é tão grande que o máximo que se pode tentar fazer é aquilatar o papel da apocalíptica como elemento explicativo em Josefo, e não na guerra em si. A limitação do objeto é tanto mais necessária pelo fato de Josefo ser muitas vezes a única evidência de que dispomos para a revolta de 70).

A questão da relevância da literatura apocalíptica na eclosão e desenvolvimento da guerra contra os romanos insere-se no âmbito mais geral das condições de leitura dos apocalipses no mundo antigo. E à semelhança da questão inicial que motivou este artigo, esta última também é de difícil encaminhamento.

Um exame inicial dos textos apocalípticos que chegaram até nós leva à conclusão de que se trata de textos consumidos oralmente, segundo alguns por grupos marginais dentro do cristianismo e/ou do judaísmo. Mesmo Qumran, onde os textos de teor apocalíptico são tão comuns, muitas vezes é definida como “seita apocalíptica”. A princípio nada de falso ao definir os qumranitas e cristãos primitivos desse modo, mas ao mesmo tempo é um modo demasiado simplista de colocar a questão.

Enxergamos a apocalíptica como marginal na época de Josefo por vermos seu desenvolvimento à luz de exclusões sucessivas, tanto para a formação do cânon judaico quanto do cristão. Para o que se denomina Antigo Testamento entre os cristãos e Tanak para os judeus resta, como evidência da enorme produção apocalíptica, apenas o livro de Daniel (significativamente não incluído entre os Profetas no cânon judaico, mas posto entre os Escritos); e no Novo Testamento, apenas o Apocalipse de João. No entanto, os processos de exclusão desses textos (que se pode presumir tivessem efetivamente potencial explosivo no séc.I) não conduzem à conclusão de que fossem consumidos por grupos sectários. Na verdade qualquer conclusão sobre quem consumia, e em que condições se dava o consumo da literatura apocalíptica entre judeus e cristãos é extremamente arriscada.

À medida que avançamos no tempo, torna-se relativamente mais fácil tratar da questão das condições de consumo da apocalíptica. Particularmente notável, nesse sentido, é o artigo recente de David Frankfurter, “The legacy of Jewish Apocalypses in early Christianity: regional trajectories”. O autor começa perguntando-se se a questão das condições específicas de leitura dos apocalipses não estaria mal formulada, posto que talvez não diferissem muito das condições de leitura da Bíblia em geral; em 4Esd 14:45-47 há evidências de que alguns apocalipses eram mais reverenciados do que a torah. Não sendo possível resolver a questão do consumo da apocalíptica “no atacado”, i.e. em todo o Mediterrâneo, Frankfurter opta pelo approach regional, tratando basicamente de Ásia Menor e Egito, locais onde a documentação é mais abundante para o problema.

Talvez a contribuição mais original de Frankfurter resida no fato de que, ao contrário de Bilde (que considera a apocalíptica uma apresentação literária de conhecimento esotérico) e de Collins (para quem a apocalíptica é, antes de tudo, um gênero literário com características bem definidas), ele trata a apocalíptica como uma experiência visionária. Ao fazê-lo, questões como a da interpolação de trechos, remissões ao AT ou NT ou da identificação do grupo consumidor básico tornam-se secundárias, e nosso ângulo de observação torna-se mais cômodo.

Frankfurter trata basicamente da sobrevivência da apocalíptica em grupos cristãos do séc.II em diante, o que nos afasta do tema deste artigo. No entanto, o raciocínio geral do autor pode ser transposto para o universo específico que nos interessa aqui, o da Judéia de Flávio Josefo. Segundo Frankfurter, a propaganda milenarista anterior a 116 deve ter circulado muito mais como tradição oral do que como literatura. O mesmo autor nos lembra ainda que a freqüência com que ocorre o termo “apocalipse” na biblioteca de Nag Hammadi não deve nos iludir, pois o termo só entrou em uso corrente no séc.II d.C. e é utilizado apenas retrospectivamente para tratar da apocalíptica judaica. O termo surge em Nag Hammadi como mais um elemento na tendência mediterrânea de nomear textos e bibliotecas.

Em suma, não se pode afirmar categoricamente que a apocalíptica judaica do tempo de Josefo fosse um complexo fechado e acabado de textos, leitores e militantes; nem a leitura atenta dos apocalipses nem Josefo permitem tirar essa conclusão, muito próxima do raciocínio preconceituoso que enxerga a apocalíptica à luz de sua exclusão canônica. A analogia com os apocalípticos de Frankfurter ou de Cohn leva-nos à mesma conclusão, favorável à diversidade de leitores, condições de consumo e à possibilidade de opção militante ou quietista. Resta um problema apontado por Josefo, ao qual nem sempre se tem prestado a devida atenção e que pode ser decisivo para um melhor entendimento do papel da apocalíptica nos eventos que conduziriam à destruição do Templo em 70.

Embora adote um ponto de vista teológico quanto ao sentido da história, como investigador Josefo fornece explicações absolutamente racionais para a eclosão da revolta; poderíamos sintetizar no seguinte quadro as causas listadas pelo historiador judeu como responsáveis pela guerra:

1. A malignidade dos governadores romanos;

2. A opressão anormal do domínio romano (as rebeliões de 57, 55 e 49 a.C seriam prova disso); lembremos que em 40 a.C., a invasão parta foi bem vista pelos judeus. Tácito registrou queixas graves contra os impostos em 17 d.C. (Anais. 2.42);

3. As suscetibilidades religiosas dos judeus

4. As tensões de classe (Josefo refere-se a uma “doença” que teria feito pobres e ricos se antagonizarem de modo nunca antes visto nos anos que antecederam a revolta (BJ 7.260-261);

5. As desavenças com os não-judeus locais; os asmoneus não conseguiram converter seus súditos gregos, ao contrário do que ocorria na Galiléia e na Iduméia, onde foram feitas inúmeras conversões ao judaísmo.

Devemos sempre ser cautelosos quando Josefo coloca a culpa nos ombros de outrem; como bem lembra Martin Goodman, “[...] Josefo, quando quer enganar [mente] com mentiras não sobre os fatos, mas sobre a interpretação dos mesmos”. Portanto, atacar os procuradores romanos é demasiado fácil para Josefo (não são senadores, mas membros da ordem eqüestre, parvenus e arrivistas que Josefo adora ofender); questionar os valores gregos justificando as peculiaridades religiosas dos judeus também é simples (na verdade Josefo já faria isso de modo exímio no Contra Apião); resta a questão de classe que, em última análise, é apenas uma forma diferente de definir quem é o público consumidor da literatura apocalíptica. Josefo, ao responsabilizar os radicais judeus (“Quarta Filosofia”, zelotes, sicarii), joga para as camadas mais baixas da população a responsabilidade pelo desvario da guerra - manifestando mais uma vez o “feroz espírito de classe” de que fala Vidal-Naquet e procurando isentar as elites da Judéia de culpa no episódio (tese geral de Goodman).

A maior parte da teologia judaica no período nutria a esperança de independência política em alguma época futura indefinida, e não considerava obrigatória qualquer ação concreta para alcançar tal liberdade. Nesse sentido os judeus eram semelhantes a outras civilizações antigas, que pretendiam que seus deuses nacionais as defendiam de outros povos. É portanto difícil relacionar as críticas apocalípticas ao helenismo com a revolta, pois a helenização sob Roma não estava sendo mais intensa do que a que já vinha sendo praticada anteriormente. Prova disso é que inúmeros elementos gregos foram incorporados à vida judaica, deliberadamente e sem traumas; mesmo os textos que narram a epopéia judaica de resistência ao helenismo estão redigidos em grego (os livros dos Macabeus).

Mas ainda que Josefo tenha exagerado em seus ataques aos procuradores romanos, ou retratado de modo demasiado ofensivo os que interpretavam os apocalipses em termos de redenção nacional judaica, o quadro de anomia por ele descrito não deve, em seu conjunto, ser falso; supor que seja torna obrigatório nutrir a mesma desconfiança com relação a todo e qualquer historiador da Antigüidade. Não temos como saber com exatidão quais eram as condições de consumo da apocalíptica em sua época, nem quem se servia desses textos, nem mesmo qual a proporção de judeus que alimentava a expectativa messiânica ao tempo da guerra. Também aqui podemos proceder por analogia com movimentos posteriores que possuem elementos em comum com os fornecidos por Josefo. O quadro que emerge, tomando-se por base as considerações estabelecidas por inúmeros autores de peso no campo dos estudos ligados ao messianismo - como Queiroz, Cohn, Lanternari e Worsley, para citar apenas quatro - é francamente favorável à sinceridade de Josefo; condições de anomia são o solo ideal para o surgimento e desenvolvimento de expectativas de transformação súbita, completa e sobrenatural do mundo em que se vive.

Os apocalípticos, ao interpretarem os sinais de modo equivocado, efetuaram uma operação em tudo muito semelhante à que o próprio Josefo fez e descreveu em BJ 6.315 - obtendo, em seu otimismo, um resultado tão desastroso quanto o que os índios americanos de Tzvetan Todorov conseguiram ao interpretar pessimisticamente seus próprios oráculos, face à invasão espanhola.

Este

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

A Morte do judeu Yesua

Cristo está em toda parte: nas obras mais importantes da história da arte, nos roteiros de Hollywood, nos letreiros luminosos de novas igrejas, nas canções evangélicas em rádios gospel, nos best-sellers de auto-ajuda, nos canais de televisão a cabo, nos adesivos de carro, nos presépios de Natal. Onde você estiver, do interior da floresta amazônica às montanhas geladas do Tibete, sempre será possível deparar com o símbolo de uma cruz, pena de morte comum no Império Romano à qual um homem foi condenado há quase 2 mil anos. Para mais de 2 bilhões de pessoas esse homem era o próprio messias (“Cristo”, do grego, o ungido) que ressuscitara para redimir a humanidade.

Embora o mundo inteiro (inclusive os não-cristãos) esteja familiarizado com a imagem de Cristo, até há bem pouco tempo os pesquisadores eram céticos quanto à possibilidade de descobrir detalhes sobre a vida do judeu Yesua (Jesus, em hebraico), o homem de carne e osso que inspirou o cristianismo.

“Isso está começando a mudar”, diz o historiador André Chevitarese, professor de História Antiga da Universidade Federal do Rio de Janeiro e um dos especialistas no Brasil sobre o “Jesus histórico” – o estudo da figura de Jesus na história sem os constrangimentos da teologia ou da fé no relato dos evangelhos. Embora tragam detalhes do que teria sido a vida de Jesus, os evangelhos são considerados uma obra de reverência e não um documento histórico.

Chevitarese e outros pesquisadores acreditam que, apesar de não existirem indícios materiais diretos sobre o homem Jesus, arqueólogos e historiadores podem ao menos reconstituir um quadro surpreendente sobre o que teria sido a vida de um líder religioso judeu naquele tempo, respondendo questões intrigantes sobre o ambiente e o cotidiano na Palestina onde ele vivera por volta do século I.

Nazaré, entre 6 e 4 a.C.

Uma aldeia agrícola com menos de 500 habitantes, cuja paisagem é pontuada por casas pobres de chão de terra batida. Segundo os arqueólogos, essa é a cidade de Nazaré na época em que Jesus nasceu, provavelmente entre os anos 6 e 4 a.C., no fim do reinado de Herodes. Isso mesmo: segundo os historiadores, Jesus deve ter nascido alguns anos antes do ano 1 do calendário cristão.

“As pessoas naquele tempo não contavam a passagem do tempo como hoje, por meio da indicação do ano”, explica o historiador da Unicamp Pedro Paulo Funari, colunista do site de História. “O cabeçalho dos documentos oficiais da época trazia apenas como indicação do tempo o nome do regente do período, o que leva os pesquisadores a crer que Jesus teria nascido anos antes do que foi convencionado.”

Se você também está se perguntando por que os historiadores buscam evidências do nascimento de Jesus na cidade de Nazaré – e não em Belém, cidade natal de Jesus, de acordo com os evangelhos de Mateus e Lucas -, é bom saber que, para a maioria dos pesquisadores, a referência a Belém não passa de uma alegoria da Bíblia. Na época, essa alegoria teria sido escrita para ligar Jesus ao rei Davi, que teria nascido em Belém e era considerado um dos messias do povo judeu. Ou seja: a alcunha “Jesus de Nazaré” ou “nazareno” não teria derivado apenas do fato de sua família ser oriunda de lá, como costuma ser justificado.

Mesmo que os historiadores estejam certos ao afirmarem que o nascimento em Belém seja apenas uma alegoria bíblica, o entorno de uma casa pobre na cidade de Nazaré daquele tempo não deve ter sido muito diferente do de um estábulo improvisado como manjedoura. Como a residência de qualquer camponês pobre da região, as moradias eram ladeadas por animais usados na agricultura ou para a alimentação de subsistência.

Se alguém presenciasse o nascimento de Jesus, provavelmente iria deparar com um bebê de feições bem diferentes da criança de pele clara que costuma aparecer nas representações dos presépios. Baseados no estudo de crânios de judeus da época, pesquisadores dizem que a aparência de Jesus seria mais próxima da de um árabe (de cabelos negros e pele morena) que da dos modelos louros dos quadros renascentistas.

Seu nome, Jesus, uma abreviação do nome do herói bíblico Josué, era bastante comum em sua época. Ainda na infância, deve ter brincado com pequenos animais de madeira entalhada ou se divertido com rudimentares jogos de tabuleiro incrustados em pedras.

Quanto à família de Jesus, os pesquisadores não acreditam que ele tenha sido filho único. Afinal, era comum que famílias de camponeses tivessem mais de um filho para ajudarem na subsistência da família. Isso poderia explicar o fato de os próprios evangelhos falarem em irmãos de Jesus, como Tiago, José, Simão e Judas. “As igrejas Ortodoxa e Católica preferiram entender que o termo grego adelphos, que significa irmão, queria dizer algo próximo de discípulo, primo”, diz Chevitarese.

Assim como outros jovens da Galiléia, é provável que ele não tenha tido uma educação formal ou mesmo a chance de aprender a ler e escrever, privilégio de poucos nobres. Ainda assim, nada o impediria de conhecer profundamente os textos religiosos de sua época transmitidos oralmente por gerações.

Política, religião e sexo

Desde aquele tempo, a região em que Jesus vivia já era, digamos, um tanto explosiva. O confronto não se dava, é claro, entre judeus e muçulmanos (o profeta Maomé só iria receber sua revelação mais de cinco séculos depois). A disputa envolvia grupos judaicos e os interesses de Roma, cujo império era o equivalente, na época, ao que os Estados Unidos são hoje.

E, assim como grupos religiosos do Oriente Médio resistem atualmente à ocidentalização dos seus costumes, diversos grupos judaicos da época se opunham à influência romana sobre suas tradições. Na verdade, fazia séculos que os judeus lutavam contra o domínio de povos estrangeiros. Antes de os romanos chegarem, no ano 63 a.C., eles haviam sido subjugados por assírios, babilônios, persas, macedônios, selêucidas e ptolomeus. Os judeus sonhavam com a ascensão de um monarca forte como fora o rei Davi, que por volta do século 10 a.C. inaugurara um tempo de relativa estabilidade. Não à toa, Davi ficaria lembrado como o messias (ungido por Javé) e, assim como ele, outros messias eram aguardados para libertar o povo judeu.

Além do banditismo, havia a resistência inspirada pela religião, principalmente a dos chamados movimentos apocalípticos. De acordo com os seguidores desses movimentos, Israel estava prestes a ser libertado por uma intervenção direta de Deus que traria prosperidade, justiça e paz à região. A questão era saber como se preparar para esse dia.

Alguns grupos, como os zelotes, acreditavam que o melhor a fazer era se armar e partir para a guerra contra os romanos na crença de que Deus apareceria para lutar ao lado dos hebreus. Para outros grupos, como os essênios, a violência era desnecessária e o melhor mesmo a fazer era se retirar para viver em comunidades monásticas distantes das impurezas dos grandes centros. E Jesus, de que lado estava
É quase certo que Jesus tenha tido contato com ao menos um líder apocalíptico de sua época, que preparava seus seguidores por meio de um ritual de imersão nas águas do rio Jordão. Se você apostou em João Batista, acertou.

O curioso é que, para a maioria dos pesquisadores, incluindo aí o padre católico John P. Meier, autor da série sobre o Jesus histórico chamada Um Judeu Marginal, o movimento apocalíptico de João Batista deve ter sido mais popular, em seu tempo, do que a própria pregação de Jesus. Os historiadores acreditam que é bem provável que Jesus, de fato, tenha sido batizado por João Batista nas margens do rio Jordão, e que o encontro deve ter moldado sua missão religiosa dali em diante.

Apesar de não haver nenhuma restrição para que um líder religioso judeu tivesse relações com mulheres em seu tempo, ninguém sabe ainda se entre as práticas espirituais de Jesus estaria o celibato. Da mesma forma, afirmar que ele teve relações com Maria Madalena, como no enredo de livros como O Código Da Vinci, também não passaria de uma grande especulação.

Uma morte marginal

O pesquisador Richard Horsley, professor de Ciências da Religião da Universidade de Massachusetts, em Boston, é categórico: a morte de Jesus na cruz em seu tempo foi muito menos perturbadora para o Império Romano do que se costuma imaginar. Horsley e outros pesquisadores desapontam os cristãos que imaginam a crucificação como um evento que causara, em seu tempo, uma comoção generalizada, como naquela cena do filme O Manto Sagrado em que nuvens negras escurecem Jerusalém e o mundo parece prestes a acabar.

Apesar de ter sido uma tragédia para seus seguidores e familiares, a morte do judeu Yesua deve ter passado praticamente despercebida para quem vivia, por exemplo, no Império Romano. Ou seja: se existisse uma rede de televisão como a CNN, naquele tempo, é bem possível que a morte de Jesus sequer fosse noticiada.
E, caso fosse, dificilmente algum estrangeiro entenderia bem qual a diferença da mensagem dele em meio a tantas correntes do judaísmo do período – assim como poucas pessoas no Ocidente compreendem as diferenças entre as diversas correntes dentro do Islã ou do budismo.

Os pesquisadores sabem, no entanto, que Jesus não deve ter escolhido por acaso uma festa como a Páscoa para fazer sua pregação em Jerusalém. A data costumava reunir milhares de pessoas para a comemoração da libertação do povo hebreu do Egito. No período que antecedia a festa, o ar tornava-se carregado de uma forte energia política. Era quando os judeus pobres sonhavam com o dia em que conseguiriam ser libertados dos romanos.

Em meio às festas religiosas, o comércio da cidade florescia cada vez mais. Vendia-se de tudo por lá, incluindo animais para serem sacrificados no templo. Os mais ricos podiam comprar um cordeiro para ser sacrificado e quem tivesse menos dinheiro conseguia comprar uma pomba no mercado logo em frente. A cura de todos os problemas do corpo e da alma (na época, as doenças eram relacionadas à impureza do espírito) passava pela mediação dos rituais dos sacerdotes do templo.

Não é difícil imaginar a afronta que devia ser para esses líderes religiosos ouvir que um judeu rude da Galiléia curava e livrava as pessoas de seus pecados com um simples toque, sem a necessidade dos sacerdotes. A maioria dos pesquisadores concorda que atos subversivos como esses seriam suficientes para levar alguém à crucificação.

Quase tudo o que os pesquisadores conhecem sobre a crucificação deve-se à descoberta, em 1968, do único esqueleto encontrado de um homem crucificado em Giv’at há-Mivtar, no nordeste de Jerusalém. Após uma análise dos ossos, eles concluíram que os calcanhares do condenado foram pregados na base vertical da cruz, enquanto os braços haviam sido apenas amarrados na travessa.
A raridade da descoberta deve-se a um motivo perturbador: a pena da crucificação previa a extinção do cadáver do condenado, já que o corpo do crucificado deveria ser exposto aos abutres e aos cães comedores de carniça. A idéia era evitar que o túmulo do condenado pudesse servir de ponto de peregrinação de manifestantes. De qualquer forma, a descoberta desse único esqueleto preservado prova que, em alguns casos, o corpo poderia ser reivindicado pelos parentes do morto, o que talvez tenha acontecido com Jesus.

O que aconteceu após sua morte? Para os pesquisadores, a vida do Jesus histórico encerra-se com a crucificação. “A ressurreição é uma questão de fé, não de história”, diz Richard Horsley.

Tudo o que os historiadores sabem é que, apesar de pequeno, o grupo de seguidores de Jesus logo conseguiria atrair adeptos de diversas partes do mundo. E foi um dos novos convertidos, um ex-soldado que havia perseguido cristãos e ganhara o nome de Paulo, que se tornaria uma das pedras fundamentais para a transformação de Jesus em um símbolo de fé para todo o mundo.

Com sua formação cosmopolita, Paulo lutou para que os seguidores de Jesus trilhassem um caminho independente do judaísmo, sem necessidade de obrigar os convertidos a seguirem regras alimentares rígidas ou, no caso dos homens, ser obrigados a fazer a circuncisão. A influência de Paulo na nova fé é tão grande que há quem diga que a mensagem de Jesus jamais chegaria aonde chegou caso ele não houvesse trabalhado com tanto afinco para sua difusão.

Mesmo para quem não acredita em milagres, não há como negar que Paulo e os outros seguidores de Jesus conseguiram uma proeza e tanto. apenas três séculos após sua morte, transformaram a crença de uns poucos judeus da Palestina do século I na religião oficial do Império Romano.

Por essa época, a vida do judeu Yesua já havia sido encoberta pela poderosa simbologia do Cristo: assim como os judeus sacrificavam cordeiros para Javé, o Cristo se tornaria símbolo do cordeiro enviado por Deus para tirar os pecados do mundo. Desde então, a história de boa parte do mundo está dividida entre antes e depois de sua existência.

Seus Evangelhos contam, com algumas variações, a vida de Jesus Cristo. Apresentam-no como filho de Deus que veio à Terra salvar a humanidade. Para os cristãos, esses são textos sagrados, escritos sob inspiração divina. A leitura comparativa dos quatro, no entanto, revela diferenças que podem ter tido um propósito quase publicitário. É essa a conclusão de L. Michael White, diretor do Instituto de Estudos sobre as Origens do Cristianismo da Universidade do Texas, nos Estados Unidos. Em Scripting Jesus (Roteirizando Jesus, em tradução livre), lançado no mês passado nos EUA, White diz que fatos da vida de Jesus narrados nos Evangelhos serviram para fundamentar a "agenda teológica" de seus autores. "Os evangelistas sentiam-se compelidos a preencher os vazios da narrativa oral com fatos adequados a seus objetivos", disse White a ÉPOCA. Para ele, a meta desses narradores era cativar públicos de formação cultural distinta. Os Evangelhos não teriam, portanto, o caráter universal que se atribui a eles.

Segundo White, o texto de Lucas foi escrito para evangelizar povos greco-romanos. Os de Marcos e Mateus, para os judeus. E o de João era destinado aos que faziam a transição de uma seita judaica para uma religião independente – o cristianismo, que em muitos aspectos se opunha ao judaísmo. A necessidade de cativar cada público teria sido responsável por moldar o conteúdo dos Evangelhos. "Como os seguidores de Mateus eram judeus, é sob essa ótica que ele 'apresenta' Jesus", diz White. "Em contraste, os Evangelhos de Lucas e João 'falavam' com audiências não judaicas."

Para comprovar sua teoria, White cita exemplos tirados de cada texto. O Evangelho de Marcos, que teria sido escrito poucos anos depois da queda de Jerusalém, na fracassada revolta dos judeus contra o Império Romano (70 d.C.), afirma que Jesus previu a destruição do Templo, o local mais sagrado para os judeus. Lucas, que precisava se adequar à cultura helênica – habituada a filósofos como Sócrates e Platão –, teria resolvido esse dilema tornando-se um antagonista da tradição judaica. "Seu objetivo é separar Jesus dos judeus", afirma White. "E seu estilo literário é da mais alta qualidade, de modo que qualquer um do mundo greco-romano ficaria confortável com sua leitura."

O exemplo favorito de White para confirmar sua tese é a Paixão de Cristo narrada no Evangelho de João. Embora os quatro situem a crucificação de Cristo na Páscoa, João difere de Lucas, Marcos e Mateus no que diz respeito à Última Ceia. Para João, ela teria ocorrido antes da Páscoa, e não durante. Qual a diferença que isso traz? Segundo White, o objetivo seria confirmar entre os judeus a ideia de Jesus como o "cordeiro de Deus", sacrificado para expiar os pecados da humanidade. O sacrifício do cordeiro pascal celebrava o Êxodo, a passagem do Antigo Testamento em que os judeus, liderados por Moisés, fogem do cativeiro no Egito. "O autor do Evangelho de João mudou intencionalmente a ordem da narrativa para alcançar seu efeito simbólico e metafórico", afirma White. A opinião é endossada por Giovanni Bazzana, especialista em Novo Testamento da Universidade Harvard: "O objetivo principal dos Evangelhos é anunciar que Jesus ressuscitou dos mortos para ser o salvador da humanidade", disse Bazzana a ÉPOCA.

"Mas cada um tinha metas específicas."

Alterar a ordem dos acontecimentos para dar um novo sentido aos mesmos fatos pode parecer um artifício duvidoso do ponto de vista ético, mas não é assim que os especialistas veem a questão. "Os Evangelhos não são jornalismo e não se deve esperar isso deles", diz John Dominic Crossan, um dos maiores pesquisadores religiosos do mundo, no documentário De Jesus a Cristo: os primeiros cristãos, da rede de TV americana PBS. Para White, os autores dos Evangelhos, longe de ser repórteres em busca de verdades factuais, mais se aproximavam de dramaturgos. "Eles fizeram uma recriação dramática da história e analisaram os fatos sob determinado ângulo que os favorecia." André Chevitarese, professor do Departamento de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), concorda: "Mais do que biografias, são plataformas de ataques e defesas em torno de Jesus para consolidar as fronteiras entre nós (cristãos) e eles (de outras religiões)". Admitir que os Evangelhos não são biografias de Jesus não significa, porém, que eles tenham sido inventados. "São baseados em antigas tradições orais que foram passadas pelos seguidores de Jesus após sua morte", diz White.

Os historiadores são unânimes em afirmar que os quatro evangelistas bíblicos não escreveram uma só linha de punho próprio. "Não sabemos a real identidade dos autores", diz Bazzana. Ele explica que seus nomes passaram a constar nos textos apenas a partir do século II, com o objetivo de dar credibilidade às escrituras. Sem dúvida, o texto ganhou mais força ao ser atribuído a Mateus e João (apóstolos que conviveram com Jesus) e a Marcos e Lucas, discípulos de Pedro e Paulo, respectivamente. "Esse processo de chama pseudepigrafia e era muito comum no mundo antigo", diz o professor de Harvard.

Nessa tradição, as versões já eram moldadas para se adaptar a seu público. "As histórias eram contadas por meio de performances dramáticas para uma plateia. O que dava certo continuava, o que não funcionava era rejeitado e trocado." Os contadores de histórias também preenchiam as "lacunas", que eram muitas, deixadas pela falta de elementos históricos, para aumentar seu impacto. White cita como exemplos as narrações sobre a Paixão de Cristo – incluindo o papel de Judas Iscariotes como o traidor, que serve para dar efeito dramático à narrativa. Nas epístolas de Paulo, mais antigas que os Evangelhos, Jesus reaparece da morte para os 12 apóstolos, sem menção à morte do suposto traidor, Judas. Os narradores também gostavam de reforçar a divindade de Jesus adequando sua vida às velhas profecias judaicas. Mateus diz que Jesus teria entrado em Jerusalém no lombo de um jumento – exatamente como o profeta Zacarias previra que o Messias chegaria à cidade.

Os Evangelhos são as principais fontes de pesquisa sobre Jesus, mas não são as únicas. Há os evangelhos apócrifos, rejeitados pela Igreja, que não fazem parte da Bíblia. A inclusão dos quatro Evangelhos no cânone da Igreja (quer dizer, sua aceitação como escritos de inspiração divina) não se deu apenas por serem os mais antigos. "Eles eram os mais populares", diz Dale Martin, professor de estudos religiosos da Universidade Yale, dos EUA. Para o autor de Scripting Jesus, há outro motivo. Como o núcleo teológico dos Evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas e João está na Paixão de Cristo, que demonstraria seu caráter único e divino como filho de Deus, eles dariam mais força a esse dogma. Além disso, os quatro Evangelhos se complementam. O nascimento de Jesus, por exemplo, é contado apenas em Lucas e Mateus. Ainda assim, a historiografia é precária. "Mesmo juntando os quatro, não temos um registro histórico confiável de Jesus", diz White. O que se sabe é que, 2 mil anos atrás, cada texto dos Evangelhos pertencia a um círculo restrito de seguidores.

Mesmo o distanciamento histórico ainda não permite explicar o que fez um homem da Galileia atrair tantos seguidores após sua morte, num contexto em que muitos se diziam profetas e Messias. Em 300 anos, o que começou como uma pequena seita judaica se transformou na religião oficial do Império Romano. "Jesus se tornou o 'filho de Deus', historicamente falando, por milhares de fatores que nunca serão totalmente explicados", diz Dale Martin, de Yale. "Ele inspirou lealdade em seus seguidores, que acreditaram terem-no visto após sua morte."

Os Evangelhos tiveram papel fundamental nisso. Primeiro, levaram adiante a tradição sobre Jesus. Segundo, se encaixaram em várias situações, dando força ao proselitismo cristão. Nos primeiros séculos de cristianismo, diz White, conquistaram de judeus a gregos. No presente, são usados por algumas igrejas evangélicas para fundamentar a teologia da prosperidade, segundo a qual os fiéis são merecedores das riquezas materiais. "São textos com múltiplos significados, usados por seguidores que vão dos kardecistas aos católicos", diz André Chevitarese, da UFRJ. White afirma, porém, que a compreensão histórica e teológica dos Evangelhos não deve levar à conclusão de que Jesus Cristo foi "inventado". Ou que as escrituras são puramente fantasiosas. "Não estou tentando dizer que devemos jogá-las fora", afirma o historiador. "Pelo contrário. Eu as levo muito a sério. Mas não de forma ingênua."