segunda-feira, 30 de agosto de 2010

João, O Visionário Gnóstico de Patmos

Os últimos 30 anos experimentaram uma verdadeira revolução paradigmática acerca dos estudos do evangelho joanino [1]. Dentre algumas anomalias que engendraram tal revolução, trataremos brevemente de algumas para fins de nossa apresentação aqui. Digno de nota é ressaltar que, relacionado à mesma questão paradigmática, ainda prosseguem debates em relação ao grau de unidade interna e amplitude da audiência visada nele.

Na maior parte do século XX predominou, nos âmbitos de estudo estritamente técnico-acadêmico, a ênfase de que fora um documento compilado tardiamente, no século II, muitos defendendo que seria da segunda metade do século. Entendia-o como um escrito marcado por reflexos de uma matriz predominantemente helenista, mais possivelmente um platonismo tardio, marcado pelo dualismo, bem como refletindo crenças gnósticas; um documento “proto-gnóstico”[2 ]. De fato, podemos ver reflexos na literatura helênica dos temas “luz e trevas” relacionados a uma experiência de conversão espiritual ou que perpassa por conflitos cósmicos entre o caminho do bem e o caminho do mal. Por exemplo, escrevendo na metade do século II, Luciano de Samósata fala da passagem da “luz para as trevas” ao encontrar-se com o platonista Nigrinus[3] .

Contudo, anomalias foram se acumulando de tal forma que o paradigma antigo não conseguia lidar com ela, por mais elasticidade que pudera ter. Em uma delas, os trabalhos com os Manuscritos do Mar Morto, apresentaram que a comunidade de Qunram, provavelmente compartilhando com outros segmentos judaicos mais esotéricos, apresentavam muitos elementos de dualidade “luz/trevas”. Isso provocou muita especulação. Hoje alguns estudos avançaram ao ponto de apresentar que, por elementos sociológicos comuns, comunidades mais marginais no judaísmo compartilharam, independentemente, de tais pontos, que estimularam tal abordagem, com seu fundamento na Bíblia Hebraica [4].
Outras anomalias, especialmente advindas da arqueologia, se acumularam para apresentar a ambientação básica da narrativa do evangelho na Palestina antes de 70 a.C. Um grau considerável do que se considerava como anacronismos nele tiveram de ser revistos, com achados, que descortinaram não apenas elementos de cenários ( Caná da Galiéia, tanques de Betesda e Siloé, o Gábata, o poço de Jacó, etc.), bem como a geografia humana que corroboraram o fio geral da situação no tempo e espaço do narrado [5] .

Desta forma, o evangelho passa a ser julgado - longe de “tecnicamente exato” ou desprovido de qualquer mínimo anacronismo [6], e longe de minimizar o caráter midráshico e sapiencial da apresentação dos sermões de Jesus no evangelho [7]- de relevância para descortinar historicamente o cenário do ministério de Jesus e seu ambiente, na Palestina, especialmente Jerusalém, do século I, e no ideário judaico polissêmico e polimorfo de seus dias [8]. Quanto ao estudo técnico focado no próprio evangelho joanino, hoje a preocupação com fontes e história é menor, dando mais lugar ao debruçar sobre o produto final e sua fixação [9]

Outras questões também se avolumam, de nível textual, etc., mas que viriam ao caso em um empreendimento de maior escopo do que o presente texto.

Algo que tomaremos aqui se refere a um tema joanino importantíssimo. Vamos apresentá-lo por uma passagem emblemática:

Quando a mulher dá a luz, ela sente tristeza, porque a sua hora chegou; mas quando ela deu à luz à criança, não se lembra mais da sua aflição, mas enche-se toda de alegria por ter nascido um homem para o mundo. João 16.21
Versão “Tradução Ecumênica da Bíbla”, Paulinas e Edições Loyola.

O contexto remete a Jesus consolando seus discípulos diante de um panorama que parece assolador, de perseguição e tristeza, os animando a manterem-se perseverantes. E a imagem do parto é evocada.
Em quê, e em onde, podemos reportá-la?

Vamos viajar para uma famosa passagem de outro livro do Novo Testamento. Concedendo que o “Apocalipse” situa-se no mesmo ambiente dos demais escritos joaninos, em comunidades afins e provavelmente da mesma região [10] [quanto a compartilhar autoria ou pelo menos à mesma pessoa que de que o(s) autor(es) se serviu (ram), não vem ao caso e deixo em aberto], podemos retomar uma outra passagem que versa sobre parto/nascimento, de forma igualmente dramática.

Apareceu no céu um sinal extraordinário: uma mulher vestida do sol, com a lua debaixo dos seus pés e uma coroa de doze estrelas sobre a cabeça. Ela estava grávida e gritava de dor, pois estava para dar à luz. Então apareceu no céu outro sinal: um enorme dragão vermelho com sete cabeças e dez chifres, tendo sobre as cabeças sete coroas. Sua cauda arrastou consigo um terço das estrelas do céu, lançando-as na terra. O dragão colocou-se diante da mulher que estava para dar à luz, para devorar o seu filho no momento em que nascesse. Ela deu à luz um filho, um homem, que governará todas as nações com cetro de ferro. Seu filho foi arrebatado para junto de Deus e de seu trono. Apocalipse 12:1-5
Nova Versão Internacional.

Um breve comentário sobre essa passagem pode nos ajudar a iluminar a ambiência em João.

Vemos a figura do sol, a lua e doze estrelas. Retoma o sonho de José em Gênesis 37.9. No apócrifo “Testamento de Abraão” Abraão e Sara são apresentados como o sol e lua para Isaque.

Agora, confiramos estas passagens:

Portanto o mesmo Senhor vos dará um sinal: Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho, e chamará o seu nome Emanuel. Is. 7:14

Canta alegremente, ó estéril, que não deste à luz; rompe em cântico, e exclama com alegria, tu que não tiveste dores de parto; porque mais são os filhos da mulher solitária, do que os filhos da casada, diz o SENHOR. Is. 54:1

Antes que estivesse de parto, deu à luz; antes que lhe viessem as dores, deu à luz um menino. Quem jamais ouviu tal coisa? Quem viu coisas semelhantes? Poder-se-ia fazer nascer uma terra num só dia? Nasceria uma nação de uma só vez? Mas Sião esteve de parto e já deu à luz seus filhos. Abriria eu a madre, e não geraria? diz o SENHOR; geraria eu, e fecharia a madre? diz o teu Deus. Regozijai-vos com Jerusalém, e alegrai-vos por ela, vós todos os que a amais; enchei-vos por ela de alegria, todos os que por ela pranteastes; Is.66:7-10

Portanto os entregará até ao tempo em que a que está de parto tiver dado à luz; então o restante de seus irmãos voltará aos filhos de Israel. Miquéias 5:3

Proclamarei o decreto: o SENHOR me disse: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei. Salmo 2:7
Na versão Almeida Corrigida e Revisada Fiel.

Temos aí então a referência à tradição profética do “remanescente justo e piedoso de Israel”, com a esperança messiânica brotando de seu purgar. Temos nos Manuscritos do Mar Morto, especialmente no rolo 1QIsª, a evocação também do justo fiel de Israel em trabalhos de parto.

Dragões e monstros marinhos costumavam serem usados pelos israelitas para se referirem às grandes divindades dos povos “pagãos” e assim, simbolizar o poder deles, em um enfrentamento com Deus; mais além também remetia à conflitos cósmicos nos primórdios da criação, com uma revolta contra Deus por parte das forças do caos.

Entre os que me reconhecem incluirei Raabe e Babilônia, além da Filístia, de Tiro, e também da Etiópia, como se tivessem nascido em Sião. Salmo 87:4

Fizeste em pedaços as cabeças do Leviatã, e o deste por mantimento aos habitantes do deserto. Salmo 74:14

Tu dominas o ímpeto do mar; quando as suas ondas se levantam, tu as fazes aquietar. Tu quebraste a Raabe como se fora ferida de morte; espalhaste os teus inimigos com o teu braço forte. Salmo 89:9

Naquele dia o SENHOR castigará com a sua dura espada, grande e forte, o Leviatã, serpente veloz, e o leviatã, a serpente tortuosa, e matará o dragão, que está no mar. Is.27:1

Poderás tirar com anzol o Leviatã, ou ligarás a sua língua com uma corda? Jó 41:2
Versões Almeida Corrigida, Revisada e Fiel.

Deus não refreia a sua ira; até o séquito de Raabe encolheu-se diante dos seus pés. Jó 9.13

Com seu poder agitou violentamente o mar; com sua sabedoria despedaçou Raabe. E isso tudo é apenas a borda das suas obras! Um suave sussurro é o que ouvimos dele. Mas quem poderá compreender o trovão do seu poder? Jó 26.12 Nova Versão Internacional

Fala, e dize: Assim diz o Senhor DEUS: Eis-me contra ti, ó Faraó, rei do Egito, grande dragão, que pousas no meio dos teus rios, e que dizes: O meu rio é meu, e eu o fiz para mim. Ezequiel 29:3 Almeida Corrigida, Revisada e Fiel

Em textos como 2Baruque, Leviatã é morto e servido no banquete messiânico para os justos.

Importante então notarmos como tal passagem reverbera o conflito terreno dos justos do povo de Deus contra as forças opressoras dos grandes poderes geopolíticos, ligado ao conflito cósmico das forças do caos contra o plano de YWHW para a redenção do seu povo e da criação.

Agora, então, temos uma paisagem mais ampla para contemplarmos o tema no evangelho joanino. Diante do quadro de que o mal está vencendo, os fiéis devem lembrar que haverá um julgamento que subverterá a lógica e o poder dos opressores. Esse juizo provocará temor em todos, será assombroso mesmo para os justos que o testemunharão, e terrível para os infiéis dentre o povo. Remetendo o sermão à linguagem profética:

Ali mesmo o pavor os dominou; contorceram-se como a mulher no parto. Salmo 48:6

Ficarão apavorados, dores e aflições os dominarão; eles se contorcerão como a mulher em trabalho de parto. Olharão chocados uns para os outros, com os rostos em fogo. Is 13:8

Diante disso fiquei tomado de angústia, Tive dores como as de uma mulher em trabalho de parto; estou tão transtornado que não posso ouvir, tão atônito que não posso ver. Is. 21:3

Como a mulher grávida prestes a dar à luz se contorce e grita de dor, assim estamos nós na tua presença, ó Senhor. Is. 26:17

Fiquei muito tempo em silêncio, e me contive, calado. Mas agora, como mulher em trabalho de parto, eu grito, gemo e respiro ofegante. Is. 42:14

Ouvi um grito, como de mulher em trabalho de parto, como a agonia de uma mulher ao dar à luz o primeiro filho. É o grito da cidade de Sião, que está ofegante e estende as mãos, dizendo: "Ai de mim! Estou desfalecendo. Minha vida está nas mãos de assassinos! Jeremias 4.:1

O que você dirá quando sobre você dominarem aqueles que você sempre teve como aliados? Você não irá sentir dores como as de uma mulher em trabalho de parto? Jr. 13:21

Você que está entronizada no Líbano, que está aninhada em prédios de cedro, como você gemerá quando lhe vierem as dores de parto, dores como as de uma mulher que está para dar à luz! Jr. 22:23

Pergunte e veja: Pode um homem dar à luz? Por que vejo, então, todos os homens com as mãos no estômago, como uma mulher em trabalho de parto? Por que estão pálidos todos os rostos? Jr. 30:6

Vejam! Uma águia, subindo e planando, estende as asas sobre Bozra. Naquele dia, a coragem dos guerreiros de Edom será como a de uma mulher dando à luz. Jr.49:22-24

Quando o rei da Babilônia ouviu relatos sobre eles, as suas mãos amoleceram. A angústia tomou conta dele, dores como as de uma mulher dando à luz. Jr. 50:43

Agora, por que gritar tão alto? Você não tem rei? Seu conselheiro morreu, para que a dor seja tão forte como a de uma mulher em trabalho de parto? Contorça-se em agonia, ó cidade de Sião, como a mulher em trabalho de parto, porque agora terá que deixar os seus muros para habitar em campo aberto. Você irá para a Babilônia, e lá você será libertada. Lá o Senhor a resgatará da mão dos seus inimigos. Miquéias 4:9-10 N.V.I.

Compartilhando a perspectiva mais ampliada em que esta ideia vem inserida, advém então a redenção messiânica, e a paz advinda do partilhar da vindicação final do Messias e comungar com ele então, que é o ápice da ideia desenvolvida neste capítulo 16.

Assim também agora vós tendes tristeza; mas outra vez vos verei; o vosso coração se alegrará, e a vossa alegria ninguém poderá tirar. vs.22

Estas coisas vos tenho dito para que tenhais paz em mim. No mundo, passas por aflições, mas tenham bom ânimo; eu venci o mundo. vs 33

T.E.B.

Senhor, no meio de aflição te buscaram; quando os disciplinaste sussurraram uma oração. Como a mulher grávida prestes a dar à luz se contorce e grita de dor, assim estamos nós na tua presença, ó Senhor.Nós engravidamos e nos contorcemos de dor, mas demos à luz o vento. Não trouxemos salvação à terra; não demos à luz os habitantes do mundo. Mas os teus mortos viverão; seus corpos ressuscitarão. Vocês, que voltaram ao pó, acordem e cantem de alegria. O teu orvalho é orvalho de luz; a terra dará à luz os seus mortos. Vá, meu povo, entre em seus quartos e tranque as portas; esconda-se por um momento, até que tenha passado a ira dele. Vejam! O Senhor está saindo da sua habitação para castigar os moradores da terra por suas iniqüidades. A terra mostrará o sangue derramado sobre ela; não mais encobrirá os seus mortos. Is.26:16-21

Cante, ó estéril, você que nunca teve um filho; irrompa em canto, grite de alegria, você que nunca esteve em trabalho de parto; porque mais são os filhos da mulher abandonada do que os daquela que tem marido", diz o Senhor. "Alargue o lugar de sua tenda, estenda bem as cortinas de sua tenda, não o impeça; estique suas cordas, firme suas estacas. Pois você se estenderá para a direita e para a esquerda; seus descendentes desapossarão nações e se instalarão em suas cidades abandonadas. " "Não tenha medo; você não sofrerá vergonha. Não tema o constrangimento; você não será humilhada. Você esquecerá a vergonha de sua juventude e não se lembrará mais da humilhação de sua viuvez. Is 54:1-4

Antes de entrar em trabalho de parto, ela dá à luz; antes de lhe sobrevirem as dores, ela ganha um menino. Quem já ouviu uma coisa dessas? Quem já viu tais coisas? Pode uma nação nascer num só dia, ou, pode-se dar à luz um povo num instante? Pois Sião ainda estava em trabalho de parto, e deu à luz seus filhos. Acaso faço chegar a hora do parto e não faço nascer? ", diz o Senhor. "Acaso fecho o ventre, sendo que eu faço dar à luz? ", pergunta o seu Deus. "Regozijem-se com Jerusalém e alegrem-se por ela, todos vocês que a amam; regozijem-se muito com ela, todos vocês que por ela pranteiam. Pois vocês irão mamar e saciar-se em seus seios reconfortantes, e beberão à vontade e se deleitarão em sua fartura.” Pois assim diz o Senhor: "Estenderei para ela a paz como um rio e a riqueza das nações como uma corrente avassaladora; vocês serão amamentados nos braços dela e acalentados em seus joelhos. Assim como uma mãe consola seu filho, também eu os consolarei; em Jerusalém vocês serão consolados". Quando vocês virem isso, o seu coração se regozijará, e vocês florescerão como a relva; a mão do Senhor estará com os seus servos, mas a sua ira será contra os seus adversários. Is. 66:7-14

Por isso os israelitas serão abandonados até que dê à luz a que está em trabalho de parto. Então o restante dos irmãos do governante voltarão para unir-se aos israelitas. Ele se estabelecerá e os pastoreará na força do Senhor, na majestade do nome do Senhor, o seu Deus. E eles viverão em segurança, pois a grandeza dele alcançará os confins da Terra. Mq 5:3-4

Chegam-lhe dores como as da mulher em trabalho de parto, mas ele não é uma criança inteligente; quando chega a hora, não sai do ventre que abrigou. "Eu os redimirei do poder da sepultura; eu os resgatarei da morte. Onde estão, ó morte, as suas pragas? Onde está, ó sepultura, a sua destruição? Oséias 13:13-14
N.V.I.
Tem-se aonde tanto o evangelho de João quanto o Apocalipse combinam com textos da literatura apocalíptica judaica que viam o estabelecimento do advento messiânico e o governo de Deus consumando um período de intensa tribulação, como os “Oráculos Sibilinos” 3.796-808; 2Baruque 70.2-8; 4 Esdras 6.24; 9.1-12; 13.29-31; IQM 12.9; 19.1,2. [11]

Está consoante com Marcos 13 e paralelos, abordando também o remanescente fiel dos dias que precedem o juizo divino e plenificação messiânica; também I Co 15:24,25, com Paulo. Vide também I Pedro 4:12-19. Assim, podemos ver neste ponto uma magnífica orquestra de diferentes e independentes tradições cristãs contemporâneas participando da mesma música escatológica, do mesmo tema e expectativa. Algo que aponta fortemente para sua origem comum, seu epicentro fundamental.

Ainda que em João prevaleça o tratamento da escatologia realizada [12], a tensão já/ainda não, é fortemente afirmada, em que a era redimida está em gestação mas ainda não fora consumada, e ainda se esperavam as “últimas coisas”, e embora a “vida eterna” - Jo.3.16 – esteja disponível ela ainda aguarda se estabelecer – o próprio termo ζωή αἰώνιος literalmente significa “vida do mundo porvir”.
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Bibliografia
[1] Um livro seminal da época, que sistematiza essa Nova Perspectiva em sua emergência, é de Stephen S. Smalley, “John: Evangelist and Interpreter”.
[2] De forma emblemática, tal perspectiva é bem expressa por Rudolff Bulltman em Teologia do Novo Testamento, volume 2, pg. 437-438.
[3] Luciano de Samósata. "Wisdow of Nigrinus", Lucian, v.I
[4] Richard Bauckham. Testimony of the Beloved Disciple, The: Narrative, History, and Theology in the Gospel of John ; no capítulo "The Qunram Community and the Gospel of John" – p.125-135
[5] Para um tratamento da contextualidade cronológica, geográfica e histórica, ver John A. T. Robinson, “The Priority of John” - apesar das necessárias ressalvas a serem feitas quanto ao tratamento que dá às questões de datação do evangelho. Craig Blomberg apresenta a discussão mais atualizada quanto às evidências da fundamentação histórica e uma discussão do pano de fundo arqueológico em “The Historical Reliability of John's Gospel: Issues and Commentary”.
[6] Bauckham, op. Cit., Historiographical Characteristics of the Gospel of John – 93-113
[7] Ben Witherington, “John's Wisdom” p. 18-21
[8] Confira, na obra editada por Richard Bauckham e Carl Mosser, The Gospel of John and Christian Theology, o capítulo “The Historical Reability of John1s Gospel: From What Perspective Should It be Asseded?” de Craig S. Evans, p.92-118
[9] D.A. Carson, Douglas J. Moo e Leon Morris, “Introdução ao Novo Testamento”, p. 537-539.
[10] Ótimas discussões a respeito: quanto a possível alcance do evangelho em seu contexto, Richard Bauckham, no já citado “Testimony of the Beloved Disciple, The: Narrative, History, and Theology in the Gospel of John”, cap. "The Audience of the Gospel of John", p.113-125.
Quanto a especificamente o entremear do ambiente comunitário da composição, e a audiência do livro do Apocalipse em interface com o evangelho joanino, “The Book of Revelation and the Johannine Apocalyptic Tradition”, por John M. Court p.8-14; pelo mesmo estudioso, na obra “The Johannine Literature”, editada por Barnabas Lindars, R. Alan Culpepper, Ruth B. Edwards, John M. Court, "Comentaries on and Studies of the Book Of Revelation” p.283-296
[11] Michael Lattke, “On the Jewish Background of the Synoptic Concept 'The Kingdow of God”, em The Kingdom of God in the teaching of Jesus, editado por Bruce Chilton, p. 72-91
[12] C. H. Dodd, The Interpretation of the Fourth Gospel, p.144-149

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Raymond Brown, John Dominic Crossan, Haim Cohn, e a enigmática Paixão de Cristo

Madrugada de quinta para sexta-feira, arredores de Jerusalém, Palestina ocupada. Lá vem ele. Acompanha-o uma turba armada “de espadas e paus”, segundo um dos principais cronistas do evento. Sua vítima o espera, cheia de angústia. Quando os dois se encontrarem, vai se dar a mais desprestigiosa utilização que uma saudação geralmente tida por amistosa já conheceu. O mesmo cronista informa que o homem vinha chegando combinara com a turba: “É aquele que eu beijar. Prendei-o e levai-o bem guardado”. Num beijo se concentrará a torpeza sem nome da traição! Nosso cronista, conhecido apenas por prenome, Marcos, prossegue: “Tão logo chegou, aproximando-se dele, disse: “ Rabi!” E o beijou. Eles lançaram a mão sobre ele e o prenderam.”

Que havia nesse beijo, o mais escandaloso da História do mundo, ocorrido há mais ou menos 2.000 anos com o qual o vil aventureiro chamado Judas entrega Jesus? Ou, para colocar a questão nos termos de um dos maiores especialistas nos evangelhos, o padre americano Raymond E. Brown, “ no nível da História ou da verossimilitude, como se deve entender o beijo de Judas?” Brown responde:

“Se o beijo era uma saudação normal, que podia ser usado por qualquer conhecido, ou numa saudação costumeira entre Jesus e os discípulos, então ele poderia convir à trama daqueles que tinham pago Judas para evitar uma resistência ruidosa e consequentemente ao desejo de Judas de parecer normal. Se não era uma saudação normal, mas um gesto incomum, implicando especial afeição, então Judas era um hipócrita malévolo”.Em nenhum outro lugar dos evangelhos Jesus e os discípulos são mostrados trocando beijos, mas esse silêncio “pode ser acidental”, escreve Brown. Ele se inclina para a hipótese de que o beijo era uma saudação normal, e Judas o aplicou para não parecer suspeito. Contra essa tese há uma objeção forte: se Judas acabara de estar com Jesus, na última ceia, por que saudá-lo de novo? Mas, conclui Brown, “a freqüência das saudações normais, por exemplo, o aperto de mão, varia grandemente entre os povos; e temos muito pouca idéia de quão freqüentemente os palestinos as trocavam”.

Transcrevem-se aqui as conjeturas sobre o beijo para exemplificar o nível de minúcia a que podem chegar os estudiosos de um texto como o de Marcos. Qualquer texto oferece a possibilidade de discussão. Quanto mais valha a pena, mais fecunda será sua dissecação, seja por que a ótica for - gramatical, literária, histórica, filosófica, sociológica, psicológica, antropológica ou teológica. Ao longo dos últimos vinte séculos, no entanto, nenhum texto foi objeto de tanta dissecação, e tanta discussão, quanto os evangelhos Marcos, Mateus, Lucas e João., os autores canônicos, ou seja “oficiais” da cristandade. E, dentro dos evangelhos, nenhum trecho despertou tanto interesse, tanta emoção e discussão quanto a paixão e a morte de Jesus que os cristãos comemoram a partis de quinta-feira, na Semana Santa.

Não há relato tão longo e detalhado, nos evangelhos. A infância só é abordada por dois evangelistas, Mateus e Lucas, e sumariamente. A parte do ministério de Jesus é uma coleção de pequenos episódios biográficos, milagres e parábolas. Já a paixão tem começo, meio e fim. Cada evangelista apresenta detalhes exclusivos - só Mateus dá conta da morte de Judas, por exemplo, e só João reproduz um longo diálogo entre Jesus e Pilatos. Apesar disso, com ligeiros desvios em João, que é o evangelho mais diferente, há uma seqüência comum delação, prisão, julgamento pelas autoridades religiosas judaicas, julgamento pela autoridade romana, execução e enterro, com episódios de zombaria de Jesus intercalando algumas dessas cenas. Tudo somado, está-se diante de uma peça de insuperável força dramática.

Com o beijo de Judas, estamos entrando nesse universo misterioso. E logo impõe-se a pergunta: o beijo existiu de verdade? Acompanhe-se o raciocínio de um segundo autor, o israelense Haim Cohn. Jesus tomara-se conhecido em Jerusalém, onde tinha entrado triunfalmente, montado num asno. Diariamente estava no Templo, pregando. Então, por que alguém precisaria identificá-lo e entregá-lo? Prossegue Cohn: "A explicação em geral apresentada para tornar plausível a história é a de que os principais sacerdotes tinham muito medo do clamor popular". Por isso, determinaram prendê-lo à noite, e fora da cidade. No entanto, argumenta o autor, o evangelho de Lucas informa que toda noite Jesus ia ao "monte chamado das Oliveiras". O evangelho de João o confirma. As autoridades não precisariam de informante para apanhá-lo. Para Cohn, a história da traição de Judas é "tão improvável, tão incongruente", que merece crédito".

Um terceiro autor, o irlandês radicado nos Estados Unidos, John Dominic Crossan, tem uma posição mitigada. Ele aceita que Jesus tenha tido um seguidor chamado Judas, e que esse seguidor o tenha traído. Mas não aceita a cena do beijo, cuja intenção, a seu ver, é apresentar Judas em cores caricatamente cruéis. Crossan lança uma hipótese: Judas teria sido preso antes de todos, durante uma ação da qual se falará adiante, e teria delatado Jesus.

Judas é o ponto de partida. Este artigo seguirá a paixão e a morte, tendo por baliza três perguntas: quem matou Jesus? por quê? como? Advirta-se de antemão que não há respostas conclusivas. O que se apresentará são as teses dos eruditos. Especificamente, vai-se seguir a trilha de três livros, dos três autores já citados. O primeiro é The Death of the Messiah (A Morte do Messias), um monumental estudo de 1600 páginas e dois volumes lançado no ano passado nos Estados Unidos (Doubleday) pelo padre Raymond Brown, professor da Union Theological Seminary, de Nova York. O segundo é Who Killed Jesus? (Quem Matou Jesus?), que John Dominic Crossan, antigo padre, hoje professor de estudos bíblicos da Universidade DePaul, em Chicago, lançou há poucas semanas, também nos Estados Unidos (HarperSan Francisco), em resposta ao livro de Brown. O terceiro é 0 Julgamento e a Morte de Jesus, de Haim Cohn, um livro de 1967, lançado no ano passado no Brasil (Imago), que apresenta a originalidade de o autor ser judeu e ter ocupado os cargos de procurador-geral e, depois, juiz da Suprema Corte de Israel.

Daquilo que está nos evangelhos, o que realmente aconteceu? Não é à toa que esta é a pergunta mais recorrente, nesta matéria. Tem-se repetido sempre que o cristianismo é uma religião histórica, no sentido de que se apóia não em um deus ou deuses mitológicos, mas numa figura de existência real, que viveu numa determinada parte do globo, num determinado período, e teve sua trajetória condicionada pelas circunstâncias da época e do local. Brown, no entanto, adota uma abordagem que em primeiro lugar investiga o que o evangelista quis exatamente dizer - quais as tradições que inspiraram seu texto e que mensagens ele procura transmitir. Segundo ele, a "obsessão com a história pode constituir uma obstrução ao entendimento dos evangelhos". A intenção dos evangelistas, lembra ele, era evangelizar, e Brown não exclui que, para isso, se tenham utilizado de variados recursos - inclusive a ficção.

Os evangelistas, pessoas que mal se sabe quem são, e onde viveram, não trabalharam com informações de primeira mão. Há um consenso entre os eruditos, hoje, de que seus trabalhos datam de no mínimo quarenta anos depois da morte de Jesus, sendo o mais antigo o de Marcos (escrito por volta do ano 70 a.D.), e o mais novo o de João (cerca de 10 a.D.). Nas narrativas da paixão, os evangelistas incluíram personagens e situações inesquecíveis - as negações de Pedro antes de o galo cantar, os sumos sacerdotes Anãs e Caifás, o bom e o mau ladrão - e uma bomba-relógio. A bomba-relógio são as fortes acusações contra os judeus, tratados como responsáveis pela morte de Jesus. Ela foi estourando com intensidade variada ao longo dos séculos. Na Idade Média, segundo informa o livro de Brown, cultivava-se em Toulouse, na França, uma cerimônia da paixão durante a qual um judeu era trazido à catedral para receber um soco do conde da cidade. Houve práticas mais atrozes, como se sabe.

Crossan escreve: “ O que estava em jogo nas narrativas da paixão no longo curso da história, era o Holocausto judeu.”

A própria figura de Judas tem a ver com o que se está dizendo. Seu nome, nota Brown, é etimologicamente ligado a “judeu”. Na arte, muitas vezes, carregaram-lhe os traços considerados “semitas”. Seu gosto pelo dinheiro foi generalizado para um povo. Santo Agostinho sustentava que, enquanto Pedro representa a Igreja, Judas representa os judeus. A história da Paixão tem duas vítimas, como se mostrará nas páginas seguintes. Jesus é uma. 0 povo judeu é a outra.

Prisão

No jardim de Getsêmani, com o traidor, chega a tropa. Quem se encarregou de prender? E por quê? E quem mandou?

A agonia de Jesus começa num jardim. Ali, no lugar chamado Getsêmani, no Monte das Oliveiras, ele começou a "apavorar-se e angustiar-se” segundo Marcos, e rezou para o Pai: "Afasta de mim este cálice". Os discípulos dormiam, em vez de vigiar. Ele estava só. "A minha alma está triste até a morte", disse. Logo chega Judas, à frente do grupo que o iria prender. Que grupo era esse? Quem prendeu Jesus? Eis uma primeira questão crucial, quando se investiga quem o matou e por quê.

Marcos escreve que, com Judas, vinha "uma multidão trazendo espadas e paus, da parte dos chefes dos sacerdotes, escribas e anciãos". Mateus o acompanha. Lucas acrescenta que, entre os que vieram prender Jesus, estavam “chefes dos sacerdotes, chefes da guarda do Templo e anciãos". João afirma que Judas levava uma “coorte", além de "guardas destacados pelos chefes dos sacerdotes e fariseus". Escreve Brown: "Marcos e Mateus não dão sinal da presença de uma unidade militar ou policial regular no Getsêmani". Mas Lucas, ao acrescentar a presença dos chefes dos sacerdotes e da guarda do Templo, "afasta qualquer tom de uma populaça irregular”, segundo Brown. De todo modo, até aqui se sugere a predominância, se não a exclusividade, da presença de judeus. Já João dá conta de uma "coorte", e assim introduz a presença romana na cena. "Coorte" é uma fração do Exército romano, equivalente a 600 soldados, ou 1 décimo de uma legião.

Começa-se a desenhar a coligação que, segundo os evangelhos, vai encurralar Jesus até a cruz - a dos judeus com os romanos. Que peso atribuir a um e outro grupo, se é que, um e outro realmente merecem arcar com algum, é uma questão crucial. A interpretação convencional e popular, formulada a partir do valor de face dos evangelhos, é de que os romanos foram mais lenientes. A maior autoridade da região, Pôncio Pilatos, até queria soltar Jesus, mas esbarrou na intolerância dos judeus. Brown cita em seu livro o sumário de um autor alemão, J. Blinzler, reunindo os cinco níveis de envolvimento de um ou outro grupo, segundo as diversas conclusões dos eruditos: (1) Judeus totalmente responsáveis pela morte de Jesus, com os romanos reduzidos à sua mera implementação; (2) Judeus tendo um papel decisivo, cabendo aos romanos uma porção menor; (3) Judeus e romanos igualmente envolvidos, (4) Romanos tendo um papel decisivo, cabendo aos judeus uma porção menor; (5) Romanos totalmente responsáveis, sem envolvimento judeu.

Entre os diferentes graus dessa escala tem-se desenrolado a questão mais polêmica da paixão, e uma das mais polêmicas do mundo. Para situar a discussão, recordem-se os pontos fundamentais da situação política na Palestina, na época. Havia cerca de 100 anos, a região havia sido incorporada ao Império Romano. Do ponto de vista administrativo e judicial, porém, a situação era complexa. Na GaliIéia, ao norte, onde Jesus viveu e pregou a maior parte do tempo, reinava, embora devendo obediência à autoridade romana, um judeu, Herodes Antipas, filho de Herodes, o Grande. Na Judéia, onde fica Jerusalém, a autoridade romana era exercida diretamente, por meio de um governador, Pôncio Pilatos. Mas mesmo na Judéia os romanos permitiam a sobrevivência de órgãos judaicos de governo, o principal dos quais era o Sinédrio, do qual muito se ouve falar nos evangelhos. O Sinédrio era uma assembléia com supremo poder sobre questões religiosas, mas também algum poder em questões administrativas e judiciais. A situação confusa, sobre a qual há escassa documentação, é propícia a que se estabeleçam explicações e versões divergentes.

Somados, os evangelhos e as evidências da situação política na Judéia sugerem aos estudiosos que havia romanos na prisão de Jesus. Argumenta Brown que João não inventaria a participação romana, ele que se mostrará tão simpático a Pilatos, no julgamento. Mas teria sido mobilizada uma coorte inteira para a operação no Getsêmani? Os romanos, informa o livro de Brown, não tinham em Jerusalém um número tão grande de soldados que pudessem dispor de 600 deles só para esse fim. "Coorte", supõe Brown, teria sido usada pelo evangelista de uma maneira "popular, inexata", da mesma forma como se fala em "legiões romanas”, sem atenção à precisa quantidade das tropas.

No Getsêmani já se estrutura o Jesus de cada evangelista, na paixão. O de Marcos, seguido por Mateus, é aquele Jesus solitário que se apavora e se angustia. “Para Marcos/Mateus, a paixão é uma descida para o abismo durante a qual Jesus hesitará, ao não encontrar apoio humano”, escreve Brown. Abandonado pelos discípulos, ele atravessará um túnel escuro até, nota Brown, o grito desesperado na cruz: "Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?" 0 de Lucas não foi abandonado pelos discípulos nem se confessará "triste até a morte". "Os leitores ficam com a sensação de que Jesus está em comunhão com seu Pai todo o tempo, tanto que, apropriadamente, as últimas palavras do crucificado não são um grito angustiado para seu Deus por quem se sente abandonado, mas um tranqüilo. ‘Pai,em tuas mãos entrego o meu espírito'." 0 Jesus de João é triunfante. Ele estará sempre no controle da situação. Quando enfrenta Pilatos, até parece que ele é que julga o governador romano, não o contrário. No Getsêmani, quando chegam as tropas, Jesus adianta-se e pergunta: "Quem procuras?" Os soldados respondem procuram Jesus de Nazaré, e Jesus responde: "Sou eu". Nesse momento soldados recuam e caem por terra poder de Jesus, mesmo sobre a tropa romana, é o interesse do evangelista”, escreve Brown.Questão seguinte: quem mandou prender, e por quê? Marcos data dos incidentes do Templo, quando Jesus ali entrou, virou as mesas e cadeiras dos comerciantes, e os expulsou do local. O início da conspiração para matá-lo. Jesus passou a ensinar que aquela devia ser uma casa de orações, não um covil de ladrões. "Os chefes dos sacerdotes e os escribas ouviram isso”, prossegue o evangelista, “e procuravam como matá-lo: eles o temiam, pois toda a multidão estava maravilhada com o seu ensinamento”.

Os “chefes dos sacerdotes” e os "escribas”, com freqüência acompanhados dos "anciãos", formam uma tríade sempre ao encalço de Jesus, nas narrativas da paixão. Em certos momentos cruciais, a coroá-los, se mencionará o “sumo sacerdote”. Quem são essas figuras? O sumo sacerdote, no período da ocupação romana, era nomeado pelo governador, que o escolhia entre as famílias judias dominantes. Caifás era então o Sumo Sacerdote, genro de Anãs, cuja influência aparentemente ainda se fazia sentir. Os “chefes dos sacerdotes", segundo Brown, “eram provavelmente antigos sumos sacerdotes, ao lado de preeminentes membros de famílias entre as quais sumos sacerdotes recentes haviam sido recrutados, e algumas pessoas a que tinham sido confiadas especiais missões sacerdotais”. Os “anciãos" seriam patriarcas das famílias “mais ricas e distintas”, e os escribas, pessoas que se destacavam “pela inteligência e cultura", entre as quais se encontrariam os fariseus. Grosso modo, esses três grupos constituiriam o Sinédrio, que no total contava 71 membros.

João apresenta outra versão. Segundo ele, foi o fato de ter ressuscitado Lázaro que desencadeou a conspiração contra Jesus. Esse prodígio lhe atraíra muitos seguidores, informa esse evangelista. Os “chefes dos sacerdotes e os fariseus reuniram então o Conselho ­(Sínédrio) e disseram: “ Quem faremos? Esse homem realiza muitos sinais. Se o deixarmos assim, todos crerão nele, e os romanos virão, destruindo o nosso lugar santo e nação”. Conclui João que “ a partir desse dia decidirão matá-lo”. Segundo Brown, o evangelho de João nesse ponto obedece a imperativos teológicos: ele quer contrastar a vida dada a Lázaro com a morte prometida a Jesus.

Brown é um comentarista tão informado quanto cauteloso. Seu livro, de vocação enciclopédica, resume e aprecia o trabalho e as teorias de mais de 2 000 eruditos, mas não se esperem dele próprio teses audaciosas. Sua tendência é a interpretação conservadora dos evangelhos: as desordens no templo. Marcos situa o início da conspiração em seguida ao incidente no Templo, mas isso no contexto de uma disputa intra-religiosa e do ciúme de seguidores que Jesus vinha arregimentando. Crossan desprega-se da letra do texto evangélico para propor que o problema foi de ordem pública. O quebra-quebra é que incomodou.

O Templo era a expressão visível do judaísmo. “Assim como ha­ via um só Deus, havia um só Templo”, escreve Crossan.
Era o lugar de onde emanava a suprema autoridade religiosa, mas dotada também de ampla autoridade temporal, com seu poder coercitivo de exigir obediência e cobrar taxas, num tempo - e num povo - emque mal se separavam os conceitos deautoridade religiosa e temporal. Era umaexpressão do poder, portanto, e nessaqualidade, segundo Crossan, despertavasentimentos ambíguos entre os pobresfilhos do campesinato como Jesus. “Eraele (o Templo) o lugar das preces e sacrifícios ou o lugar dos dízimos e das taxas?”, escreve Crossan. "Era a morada divina ou o banco central? Era a ligação entre Deus e eles (os camponeses), entreo céu e a terra, ou a ligação entre religião e política, entre os colaboracionistas judeus e o ocupante romano?" Era as duas coisas, conclui o autor.
O ato de Jesus contra o Templo, segundo Crossan, foi "bastante claro". Foi como, nos Estados Unidos, "invadir um centro de recrutamento, durante a Guerra do Vietnã, e virar todas as gavetas e suas fichas.” Teria sido um ato contra o poder e a política dominante, em suma, e acresce que isso ocorreu quando se aproximava, ou já se vivia, a festa do Pessah, a Páscoa do judeu, ocasião em que multidões de peregrinosacorriam a Jerusalém e mais nervosa se tornava a susceptibilidade quanto a pos­síveis desrespeitos à ordem. 0 Pessah comemora a libertação dos judeus da escravidão a que eram submetidos no Egito, "e esta lembrança anual deve ter sido especialmente difícil quando o Egito tinha sido substituído por Roma e a pátria judaica não era mais o lugar da liberdade mas de ocupação colonial”, escreve Crossan. E acrescenta: “Imagine-se um grande número de pessoas reunidas num espaço muito confinado para celebrar sua antiga libertação da escravidão com um reizinho herodiano ou um prefeito romano agora no poder e soldados pagãos vigiando o Templo a partir da Fortaleza Antonina, no seu canto noroeste".

Causar turbulência no Templo era algo que as autoridades não poderiam tolerar, conclui Crossan, e é aqui que ele arrisca uma opinião sobre qual poderia ter sido o papel de Judas: "Minha suposição é de que Judas possa ter sido capturado entre os companheiros de Jesus, durante a ação no Templo, e em seguida contado quem tinha feito aquilo e onde se encontrava". A explicação de Crossan para a prisão e a morte de Jesus é conseqüência lógica de sua visão de que Jesus foi um insubmisso, com um programa de "radical igualitarismo" que, cevado no campesinato insatisfeito da Galiléia, desafiava os poderes constituídos.

Brown não concorda. Sua visão, mais uma vez, segue a letra dos evangelhos, onde Jesus afirma que seu reino "não é deste mundo". Brown alinha um elenco de razões pelas quais Jesus não era um subversivo: "Sua crítica dos ricos, em Lucas, não era parte de um projeto de reestruturação econômica; seus mais íntimos seguidores não eram camponeses mas, até onde sabemos, pessoas com ocupações independentes (inclusive pescadores e coletores de impostos); eles não eram muito numerosos e, certamente, não um grupo organizado e armado, nenhuma campanha militar foi conduzida contra ele; ele foi preso sozinho e desarmado; foi julgado e condenado de uma maneira ordeira, não morto numa batalha, ou depois dela".

Haim Cohn, o terceiro autor que estamos sumariando, começa seu raciocínio a partir das forças que prenderam Jesus, segundo João, “uma coorte romana” e "guardas destacados pelos chefes dos sacerdotes e fariseus". Que guardas seriam estes? Cohn responde: “eram membros da polícia do Templo, uma organização cuja finalidade principal , manter a ordem nas instalações do Templo, não excluía eventuais missões fora. Se havia uma coorte era porque estava desencadeada uma operação romana, operação essa tão do interesse romano que o governador se mobilizara para um julgamento fogo na manhã seguinte. Mas, então, que estaria fazendo nela a polícia do Templo? Responde Cohn: se à polícia do Templo foi permitido estar presente, foi porque ela mesmo o solicitou.

Cohn desfia sua tese salpicando-a de suspense. "Deve ter uma forte razão”, escreve, para que a polícia judia pedisse para estar presente à operação. Ele acrescenta: "Tampouco devemos subestimar a importância de uma decisão de destacar um contingente de polícia do Templo para serviço fora das dependências do Templo numa noite como aquela, quando a cidade e o santuário transbordavam visitantes de todas a spartes do país, toda a força sendo necessária para manter a paz e a ordem. Havia seguramente um grande interesse em jogo”. Que grande interesse era esse? Aguarde-se o próximo capítulo.

Julgamento

Primeiro as autoridades judias, depois Pilatos, condenarão o réu. Quem entre esses dois merece a maior culpa?

Estamos agora no palácio do sumo sacerdote. O preso é levado para dentro. 0 discípulo Pedro, que o acompanhara a distância, fica no pátio, aquecendo-se ao fogo com os criados. A noite é cheia de presságios.

Os quatro evangelhos reportaram que, uma vez preso, Jesus foi levado às autoridades judaicas. Marcos e Mateus, claramente, e Lucas, com menos clareza, dão conta de um julgamento, pelos dignitários judeus, ao fim do qual Jesus será condenado à morte. João relata um interrogatório. sem julgamento, mas já informara antes, quando da ressurreição de Lázaro, que o Sinédrio condenara Jesus à morte. Existiu ou não o julgamento judaico? Este é um dos pontos mais controvertidos da paixão. Haim Cohn aceita que o Sinédrio se tenha reunido, mas não para julgar, e muito menos para condenar. Mas então para quê? Por que razão teriam os membros do mais alto corpo judaico, pessoa, importantes da sociedade, se dado ao trabalho de sair de casa àquela hora da noite, e ainda por cima num dia festivo?

Retomemos a tese cheia de suspense de Cohn.” O fato de que o Sínédrio teria sido convocado naquela noite particular para uma reunião na residência do sumo sacerdote e devesse, em última instância, passar ali longas horas até a manhã seguinte exige explicação muito forte e convincente para ser crível”, escreve ele. A conclusão do autor israelense é que só pode haver uma coisa na qual toda a liderança judia estava interessada: "Impedir a crucificação de um judeu pelos romanos e, mais particularmente, de um judeu que gozava do amor e afeição do povo". Segundo Cohn, o Sinédrio reuniu-se não para condenar, mas para salvar Jesus!

Não que as autoridades judaicas morressem de amores pelo pregador da Galiléia. Mas partindo da premissa de que Jesus era popular, Cohn afirma que o Sinédrio precisava tentar alguma coisa em seu favor, sob pena de cair em desgraça perante o povo. Tendo sabido que ele seria levado na manhã seguinte à máxima autoridade romana. e com toda a probabilidade sofreria uma condenação à morte, resolveu agir rápido. Primeiro conseguiuautorização para que sua polícia participasse da prisão. Depois. que o trouxesse à sua presença. Enfim, trancado com Jesus, tentou duas coisas: instruí-lo sobre o que responder no tribunal do governador e persuadi-lo a colaborar com o alto comando judaico. Jesus recusou-se a aceitar uma parceria com o Sinédrio, porém, o que implicaria a renúncia a seus pontos de vista dissidentes, e todo o esforço foi perdido.

Como encarar a tese de Cohn? Brown, ao referir-se a ela em seu livro, descarta-a como “ficção benevolamente imaginativa”. Não há nenhuma tradição judaica antiga, argumenta ele, que coloque em dúvida o envolvimento de autoridades judias na morte de Jesus. A veracidade do julgamento judeu tem sido contestada por argumentos que vão das questões procedimentais. como a realização de um julgamento noturno, quando a jurisprudência universal os recomenda à luz do dia, até o fato mais desconcertante de os evangelhos darem conta de dois julgamentos, um judeu e outro romano “por que tal sobreposição, com que fim e com que lógica?” Brown responde, quanto ao primeiro ponto, que o julgamento ter sido à noite é coerente com o que dizem os evangelhos - que não foram oferecidas as garantias de praxe ao réu. "Marcos informa que as autoridades judias o queriam preso e levado à morte em segredo, e com tão pouca atenção pública quanto possível", escreve Brown. "Procedimentos noturnos convêm a isso muito bem."

Para a bizarra duplicação dos julga­mentos, alguns oferecem a explica­ ção de que o procedimento judeu teria sido uma investigação preliminar, nãoum julgamento. Outros, no sentido inverso, afirmam que coube aos romanos apenas executar uma sentença judia. A chave para o entendimento da questão estaria num diálogo reportado por João, quando Pila­tos, não encontrando razões para assumir o caso de Jesus, diz aos judeus: "Tomai-ovós mesmos e julgai-o conforme a vossa lei". Os judeus respondem: "Não nos é permitido condenar ninguém à morte”.Será que os judeus não podiam executar penas de morte? Estamos no intrincado, território das competências entre a Justiça romana e a judaica. Brown argumenta que em alguns casos de clara inspiração na lei, religiosa, como a proibição de circular em determinadas dependências do Templo, e talvez adultério, os judeus poderiam executar eles mesmos a sentença. Em outros,de interesse para a sociedade como um todo, eles teriam de repassar o “caso à autoridade romana, que resolveria se caberia ou não a pena de morte.

As acusações contra Jesus, no julgamento judeu foram as de proferir ameaças de destruição do Templo e proclamar-se o Messias. Brown comenta, sobre a primeira das acusações, que "o Templo era a instituição-chave da vida cívica e religiosa na Judéia e o tesouro da nação". Portanto, ações contra ele iam além do interesse teológico, para atingir os reinos da sócio economia e da política, e é bastante plausível que provocasse nas autoridades letal hostilidade. Estamos a alguns passos da tese de Crossan, de que Jesus caiu em desgraça por promover desordens no Templo, mas Brown não dará esses passos.

O fato é que apenas dois evangelistas, Marcos e Mateus, referem-se claramente à acusação pertinente ao Templo, e todos reportam a segunda acusação “a pretensão de Jesus a ser o Messias, ou o Filho de Deus. E é por admitir sê-lo”, segundo Marcos, acompanhado por Mateus, que Jesus será conde­nado pelo tribunal judeu, pois sua proteção messiânica foi considerada blasfê­mia. Cohn afirma que blasfêmia, para os judeus, era apenas, e estritamente, pronunciar o tetragrama, o nome proibido de Deus, e se não há notícia de que Jesus o tenha feito, então ele não pode ter sido condenado por esse crime. Além do mais, blasfêmia é crime puramente reli­gioso, que poderia ser punido pelos pró­prios judeus - e por apedrejamento, como impõe a Bíblia, não na cruz. Já Brown considera verossímil que Jesus tenha sido condenado por blasfêmia, cri­me que, para ele, neste caso tipificou-se pela "reivindicação arrogante de prerrogativas ou status mais propriamente associados a Deus.

Encerrados os procedimentos judeus, Jesus foi levado pela manhã a Pilatos. Quem era esse governador romano, tão célebre que entrou no Credo, garantindo-se, com sua participação nesse episódio uma memória histórica com que nem de longe na carreira mediana lhe faria supor? Um documento que se tem sobre ele é uma carta do dirigente judeu Herodes Agripa ao imperador Calígula, cerca de dez anos depois da morte de Jesus. Diz Agripa que Pilatos era "naturalmente inflexível e implacável", e cometia atos de corrupção, de insulto, de rapina, de ultrajes ao povo, de arrogância, assassinatos de vítimas inocentes e da mais violenta selvageria”. Haim Cohn considera esse documento 6 mais fidedigno entre os que dão conta da personalidade de Pilatos.

Brown, mais uma vez, oferece uma visão inversa, a partir de um episódio relatado pelo historiador judeu antigo Flávio Josefo. Uma vez Pilatos enviou a Jerusalém uma tropa levando estandartes com a efígie do imperador Tibério, algo considerado sacrílego pelos judeus. Estes organizaram expedições à cidade costeira de Cesaréa, onde residia o governador, para protestar e exigir que ele removesse os estandartes. As manifestações se sucederam dia após dia. No sexto, Pilatos ameaçou matar os manifestantes. Estes deitaram-se no chão, dispostos a morrer. Admirado com a determinação dos judeus, Pilatos voltou atrás e mandou remover os estandartes. Brown comenta que o incidente "não sugere um tirano teimoso até a selvageria", e conclui que os evangelhos podem ter pintado um Pilatos não distante da realidade, ao mostrá-lo como um juiz tolerante, disposto a dar uma chance ao réu.

Perante o governador romano, a acusa­ção messiânica transmuda-se para o plano temporal. Agora Jesus é acusado de pretender-se "o rei dos judeus”. "Sob a lei romana, isso devia parecer sedição”, escreve Brown. Muitos eruditos concordam que Jesus pode ter sido enquadrado na famosa Lex lulia de Maiestate, ou seja, considerado culpado de crime de lesa-majestade.

A cruel questão da culpa judaica não se exprime apenas na condenação pelo Sinédrio. Mais polêmica ainda é a participação que é conferida à "multidão", incitada pelos "chefes dos sacerdotes e os anciãos", segundo Marcos e Mateus, ou os "judeus", pura e simplesmente, como quer João, no julgamento romano, interferindo agressivamente, e levando um relutante Pilatos a condenar o réu. "Que farei de Jesus, que chamam de Cristo?", pergunta Pilatos. As "multidões", segundo Mateus, respondem: "Crucifiquem-no”. Em João, em cenas de elaborada dramaturgia, Pilatos alterna diálogos filosóficos com Jesus, sobre a verdade e o reino deste mundo e do outro, com exortações ao populacho para que perdoe o réu. Não adianta, os "judeus” estavam-se inflexíveis: "À morte! À morte! Crucifica-o!"

Cohn aponta várias estranhezas, no episódio. Primeira: que fez com que os "judeus" ficassem tão hostis a Jesus, eles que o haviam recebido em triunfo em Jerusalém havia alguns dias? Segunda: como aceitar que um "onipotente governador romano?' se sujeitasse a ficar pedindo aos nativos "conselho sobre como tratar um criminoso preso", e ao tomar a decisão se deixasse arrastar pelos "apelos populares histéricos"? Cohn considera o episódio "demasiado grotesco" para merecer crédito, mas Brown acredita em sua plausibilidade. 0 padre americano traça o cenário seguinte: "Pilatos suspeita que a verdadeira questão seja assunto religioso judaico, de que a verdadeira questão seja um assunto religioso judaico de interesse interno, e não um crime político contra a majestade do imperador. A multidão pressiona Pilatos; e ele não deseja que o caso resulte num outro tumulto em Jerusalém, ainda mais no contexto de festival de Páscoa". Daí ele ter-se sujeitado à pressão popular, da mesma forma que o fizera no caso dos estandartes com efígie do imperador.

Momento mais célebre da trajetória de Pilatos na história e no imaginário universais é quando ele lava as mãos. “ estou inocente desse sangue. A responsabilidade é vossa”, diz. Trata-se de um não romano, mas judeu. Está na Bíblia que, quando morre um inocente que não se sabe quem matou, os principais do lugar devem lavar as mãos e declarar-se inocentes daquele sangue. Brown, que geralmente tende a dar plausibilidade à letra dos evangelhos, dessa vez não vai por esse caminho. O pagão Pilatos, nesse momento, escreve ele “ age e fala como se fosse um leitor do Antigo Testamento e um seguidor dos costumes legais judaicos”. Outro momento ao qual Brown não empresta seu veredito deplausibilidade é quando Pilatos oferece a opção soltar Jesus ou o bandido Barrabás, ,segundo um suposto costume de soltar um preso na Páscoa. Não havia tal costume, conclui Brown, de acordo com a quase­ unanimidade dos eruditos, e mesmo se houvesse seria pouco sensato que o governador soltasse um homem que acabara de ser preso por homicídio durante um tumulto, caso de Barrabás.

No evangelho de Mateus, depois que Pilatos lava as mãos e diz “ A responsabilidade é vossa “, o povo responde: “ O seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos”. Ter o “sangue sobre”, segundo ensina Brown, é um expressão bíblica indicando quem é responsável por uma morte aos olhos de Deus. A frase é a mais terrível dos evangelhos, no que se refere ao antijudaísmo. Orígenes, no século III, deu o tom de como a frase de Mateus ecoaria séculos afora: “Portanto, o sangue de Jesus derramou-se não só sobre os que existiam naquele tempo, mas também sobre todas as gerações de judeus que se seguiriam, até o fim dos tempos".

Brown reconhece a trilha de preconceito e de tragédias aberta com o tratamento dado aos judeus nas narrativas da paixão. "A observação de que efetivas autoridades judaicas (e algumas multidões de Jerusalém) tiveram um papel na execução de Jesus ( ... ) teve efeitos duráveis." O pensamento cristão, segundo Brown, “chegou atrasado ao reconhecimento de que uma atitude hostil para com os judeus por causa da crucificação é religiosamente injustificável e moralmente repreensível".

O irlandês Crossan considerou insuficientes as justificativas de Brown e é por isso que escreveu um livro em resposta. O ponto de partida de Crossan é que Brown tende a aceitar demais a "verossimilhança", ou a plausibilidade", dos fatos nos evangelhos, sem arriscar contestar-lhes a historicidade. Com isso, endossa uma narrativa da paixão que, diz Crossan, "foi a sementeira do antijudaísmo cristão”. Sem esse antijudaísmo, acrescenta, “o letal e genocida anti-semitismo europeu seria impossível, ou pelo menos não tão bem-sucedido”. Para Crossan, as narrativas da paixão são peças de ficção. "E bastante possível entender e simpatizar com uma pequena seita judaica sem poderes, escrevendo ficção para se defender. Mas, uma vez que essa seita judaica se torna o Império Romano Cristão, a estratégia defensiva se toma a mais longa das mentiras.

A propósito, se Crossan aceita a historicidade de Jesus, que ele tenha sido preso e crucificado, mas não aceita a historicidade da paixão, o que teria acontecido, então? Simples. Jesus foi preso por promover desordens no Templo e executado sumariamente. Ele escreve: "A eliminação de um estorvo perigoso representado por um camponês como Jesus não precisaria envolver nenhum julgamento oficial nem consultas entre o Templo e as autoridades romanas. O caso foi, a meu ver, administrado de acordo com os procedimentos gerais de manutenção do controle das massas durante a Páscoa. Se alguém causa sério distúrbio no Templo, que se o crucifique imediatamente, como exemplo”.

Execução

De que forma era a cruz? Jesus carregou-a até o alto do calvário? Foi pregado ou amarrado a ela?

“Então o crucificaram”. É assim, dessa forma econômica e singela que Marcos dá conta desse momento tão capital da história que vem contando. Mateus escreve: “ E após crucificá-lo, repartiram entre si as suas vestes, lançando a sorte”. Como nota Brown, a frase que dá conta da crucificação é subordinada à informação sobre a repartição das vestes. Lucas e João não são mais mais loquazes. "Alguma vez um momento tão crucial foi expresso de maneira tão breve e pouco informativa?", pergunta Brown. Nada é dito sobre o formato da cruz, ou como o condenado foi fixado nela.
A erudição de Brown nos servirá de guia na subida ao Calvário. Os quatro evangelistas informam que, encenado o julgamento perante Pilatos, Jesus foi levado por soldados romanos para a execução. Versão diferente aparece num texto apócrifo (isto é, não reconhecido pela Igreja), o chamado Evangelho de Pedro, do qual só nos chegou um fragmento, descoberto no século passado no Egito. Nesse texto os judeus têm todo o controle do processo, inclusive a execução do condenado na cruz.

Jesus carregou ele mesmo a cruz? João diz que sim, mas só ele. Os demais relatam que um certo Simão Cirineu, "que passava por ali vindo do campo", segundo Marcos, foi requisitado para fazer o serviço, Brown estranha. O costume impunha que o condenado levasse a cruz ao local da crucificação, o que é atestado pelo historiador Plutarco: “Todo malfeitor que vai para a execução carrega sua própria cruz". A versão de João parece então mais verossímil. A menos, nota Brown, que Jesus estivesse tão debilitado pelos flagelos que lhe foram impostos que não lhe fosse possível suportar o peso.

Mas o peso de quê? O que, exatamente, se carregava? Não era a cruz inteira, informa Brown. Normalmente, a parte vertical ficava fixa no lugar da execução. O que o condenado carregava era a parte horizontal, patibulum em latim. Segundo Lucas, "uma grande multidão do povo' o seguia, inclusive as mulheres a que Jesus se referirá como "filhas de Jerusalém". Brown considera plausível que houvesse gente a segui-lo, com base na cínica observação de outro autor antigo, Luciano, segundo a qual "aqueles que eram levados à cruz ( ... ) tinha um grande número de pessoas em seus calcanhares".O local da execução é o lugar chamado GóIgota em hebraico ou aramaico, que tem 'Calvário" como equivalente latino, ou "Lugar da Caveira”, segundo traduzem os quatro evangelhos. O nome indica um monte arredondado na forma de uma caveira, ou crânio. Lá chegados, "então o crucificaram", para retomar Marcos. Mas crucificaram como? Para começar, não há informação precisa sobre a forma da cruz, e ela variava. A palavra "cruz", informa Brown, chegou às línguas modernas com o sentido de uma linha que cruza outra, mas nem o grego stauros nem o latim crux necessariamente têm esse significado. Ambas essas palavras, acrescenta Brown, "referem-se a uma estaca à qual as pessoas podiam ser atadas de várias maneiras: empaladas, penduradas, pregadas ou amarradas". 0 empalamento produziria uma morte rápida. A crucificação, uma morte lenta.

Originário da Pérsia, o método da crucificação era reservado no Império Romano em princípio às classes baixas, os escravos e os estrangeiros. Há pouca informação sobre ele, na literatura latina ou helenístíca, e isso se deve, segundo Brown, ao fato de que "os romanos educados o consideravam uma punição bárbara, da qual se devia falar o menos possível". Em qualquer período da História, acrescenta Brown, aqueles que praticam a tortura não são muito comunicativos sobre os detalhes. Para Cícero, era "a mais cruel e revoltante penalidade”, que devia ser reservada só para os escravos, e em último caso. "A própria palavra cruz devia não apenas ficar longe do corpo de um cidadão romano, mas também de seus pensamentos, seus olhos e seus ouvidos", escreveu o mesmo autor.

A pena de Jesus não foi de empalamento nem de enforcamento, mas resta saber a forma da cruz e a maneira com que ele foi fixado a ela. A cruz podia ser em forma de "X” ou de “T”, além da que normalmente se imagina. O condenado podia ser fixado nela de cabeça para baixo. Ocasionalmente, informa ainda Brown, uma estaca única, vertical, seria utilizada. O condenado seria pregado nela com os braços estendidos para cima. Se Jesus carregou a barra transversal até o local da execução, ou se a carregaram para ele, então é porque não foi crucificado nem na estaca vertical nem na cruz em "X", que ficavam fixas no solo. Era cruz com barra, portanto, mas essas poderiam ser também em forma de 'T'. Presume-se que não era 0 caso porque, segundo Mateus, "colocaram acima da sua cabeça, por escrito, 0 Motivo da sua condenação”. Isso significaria que sobrava um pedaço de estaca onde colocar a inscrição geralmente representada com a sigla “INRI”.

Os evangelhos não informam de maneira direta que Jesus foi pregado. Mas Lucas, ao relatar a aparição aos apóstolos, depois da ressurreição, escreve que ele disse ao incrédulo Tomé: “Vede minhas mãos e meus Pés", dando a entender que havia sinais perfuração. João, mais claro, ao relatar mesmo episódio, diz que Tomé queria colocar o dedo "no lugar dos cravos”. Os pregos não poderiam ter sido aplicados à mãos, no entanto, pois elas se rasgariam. O crucificado tinha de ser pregado à transversal pelos pulsos. Feito isso, a barra seria erguida por duas forquilhas até um encaixe talhado na barra vertical.

Jesus foi pregado também pelos pés? Fora dos evangelhos, não havia documento algum a atestar que se pregavam crucificados também pelos pés, até a descoberta, em 1968, em Jerusalém, de um túmulo contendo, entre outros, os ossos de um homem que se aproximava dos 30 anos. Tratava-se de um homem morto por Crucificação, e uma crucificação mais ou menos na mesma época de Jesus, pois esses ossos apresentavam sinais de que o homem fora pregado com dois pregos em baixo, cada prego num calcanhar. Pelos furos, imagina-se que ele foi fixado à cruz com as pernas abertas, cada uma colada a um lado da barra vertical. Os pregos foram-lhe então aplicados no lado do pé, à altura do osso do calcanhar. No caso de Jesus, a tradição atribui a Helena, a mãe do imperador Constantino, a descoberta de três pregos que o teriam pregado - só três. Daí o fato de os artistas ao redor do mundo passarem a representar a crucificação com um prego só prendendo os dois pés, um sobre o outro.

Sobre a cruz, resta acrescentar que algumas apresentavam a variante de ter um pequeno assento, outras um apoio para os pés. Não se tratava de misericórdia. Antes, de permitir que, tendo onde se sustentar, o crucificado durassemais, e portanto sofresse mais. A inscrição que os evangelhos afirmam ter sido afixada à Cruz com as palavras "O Rei dos Judeus" (Marcos) ou “Jesus Nazareno, o Rei dos Judeus” (João), é o titulus - uma placa indicando o crime cometido pelo executado. Em nenhum dos evangelhos, nota Brown, sugere-se que se tratasse de zom­baria contra Jesus. O titulus, ao informar aopúblico o crime cometido, reforça o caráter intimidatório das execuções públi­cas. Como observa magistralmente Brown, são as únicas palavras que se afirma ter sido escritas sobre Jesus, em sua vida.

“Jesus, então, dando um grande grito, expirou", informa Marcos. Era a hora nona, ou 3 da tarde, e assim esta história vai chegando ao rim. Ou melhor seria dizer assim começa esta longa história. O que se colecionou nesta parte é apenas uma pequena amostra do torrencial volume de informações do livro de Brown. O que se transcreveu, desde o início, das pesquisas, concordâncias e discordâncias dos três autores citados é apenas uma pequena amostra dos infinitos caminhos a que tem levado o estudo e a reflexão sobre o assunto. Ele é tão vasto quanto o mundo, este assunto, tão vasto quanto a História e quanto qualquer vã filosofia. Só não é tão vasto quanto a que começa com a ressurreição e para a qual nem no controvertido tratamento do povo judeu, nem nas dúvidas históricas, nem em nada, há obstáculo.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Salomão o Exorcista

I Reis 3,3
Segundo esse trecho da Biblia, Salomão praticou cultos das Deusas de Fertilidade, havendo contribuído generosamente para a construção e manutenção de templos dedicados a essas divindades. Salomão envolveu-se com sacerdotisas, tendo praticado tais cultos. E segundo a mesma, por causa dessas atitudes ele foi punido posteriormente.

Salomão seguiu Astarte, deusa dos Sidónios, e Melcom, ídolo dos amonitas, construiu um santuário a camos, ídolo dos moabitas e um santuário a Melcom. Fez o mesmo para agradar ás suas mulheres estrangeiras, que queimavam incenso e ofereciam sacrifícios aos seus deuses.

No entanto segundo outras fontes místicas Salomão teria obitido o poder para realizar feitiçarias de magia negra tão poderosas que o tornaram lendário. O testamento de Salomão, foi descoberto no Egipto, e trata-se de um texto que data entre os séculos I e IV d.C. È um texto que reflecte histórias contadas sobre Salomão em tempos idos, provavelmente através de uma tradição oral. Nele revela-se que quando o templo de Israel estava a ser construído, um demónio chamado Ornias apareceu em Jerusalém. O demónio dedicou-se a roubar o salário do filho do chefe dos operários construtores do grande Templo. O demónio passou a inquietar o rapazinho, sendo que ele foi ficando cada vez mais magro e debilitado.

E pelo carinho pelo rapaz, Salomão tentou saber o motivo do estado cada vez mais enfermo do menor. O rapaz explicou a Salomão o motivo do seu tormento, e Salomão, revoltado com a situação, orou de dia e de noite, pedindo a Deus que colocasse o demónio sobre a sua autoridade. As orações foram ouvidas pelo arcanjo Miguel, que teria deascido á terra e teria dado assim a Salomão, um anel com uma pedra preciosa, onde se encontrava inscrito um selo. Salomão deu o anel ao rapaz, instruindo-lhe que quando o demónio lhe aparecesse, este lhe atirasse o anel em nome do Rei Salomão.

Assim sucedeu, e o anel que o rapaz atirou ao demónio, ficou cravado no peito desse, que imediatamente ficou em tormentos. O demónio implorou para que o rapaz lhe retirasse o anel do peito, sendo que em troca lhe daria todo o ouro e prata que ele desejasse. Assim não sucedeu, e o rapaz foi fiel ao seu rei. O demónio foi levado á presença do Rei Salomão. Salomão interrogou o demónio, ficando a saber o seu nome e seu símbolo astrológico.

Salomão passou a exercer domínio sobre o demónio Ornias, ( Ornias era um demónio pertencente a uma linhagem de arcanjos), fazendo que com esse demónio trouxesse outros demónios a subjugarem-se ao poder de Salomão. A certo ponto, Salomão ordenou a Ornias que lhe trouxesse o príncipe dos demónios, usando para isso o poder do seu anel. Ornias assim fez, e Belzebu foi capturado.

A partir do dominio magico de sobre entidades sombrias Salomão invocou e dominou um demónio feminino de nome Onoskelis, (que passou a estar permanentemente sob sua autoridade pessoal), bem como o terrível Asmodeus.

Assim todos os demónios teriam sido subjugados por Salomão, usados na construção do templo, bem como na obtenção de fabulosas riquezas. A mais ancestral tradição mística hebraica, revela-nos assim como usando o poder de Deus, Salomão praticou a mais poderosa magia negra e feitiços, obtendo inimagináveis riquezas e poder. A chave da magia de Salomão é por isso essa mesma: a sabedoria mística, que permite pela fé e conjugação dos elementos místicos certos, subjugar e obter poder sobre as mais fortes e perigosas forças espirituais. Eu em particular não acredito nisso, pois, tenho por dogma de fé, que os dons de Salomão, eram dons divinos e não ajuda de demonios! Essa historia não passa de fábula para manchar a bela historia do Sábio Mago da Luz. Ele teve seus erros, seguindo conta a historia, mas, não confudamos seus erros, com os seus dons.

Provavelmente essa historia é mentira, mas, lembramos bem que ele foi realmente punido pelo Senhor Deus por mexer com coisas obscuras e perigosas. O que sabemos tambem é que ele dominava muito bem a magia do amor e do sexo! Prova disso foram as lindas e belas mulheres em grande numero que se deitaram com ele.

Esse culto a deusa fertilidade mais a ajuda de entidades fortes que dominam a natureza feminina, pode ter sido o segredo de todo esse poder e influencia sobre as mulheres. Mas, por outro lado, sabemos que sua sabedoria e força espiritual foram dados diretamente pelo Criador, o que tambem era muito encantador naquela época e lhe rendiam muito respeito e admiração.

Dali a fama de que fala a rainha de Saba e sua curiosidade para comprovar até que ponto era grande a "magia" de Salomão, sua "sabedoria". Não se trata de forçar o sentido do texto bíblico, mas de explicitá-lo, para que se entenda o que significava, e significa, para os animistas, a sabedoria e o poder da sabedoria; a rainha de Saba não foi a Jerusalém movida por uma curiosidade intelectual ou teológica, foi para "comprar", com seus ouros e pedras preciosas e especiarias, essa "sabedoria", não para converter-se à religião de Israel, depois de ter colocado à prova diretamente o "nommo" de Salomão.

A rainha de Saba, seguramente, pertencia à cultura negra, independentemente de seus antecedentes raciais, porque sua atitude de deslocar-se para Jerusalém para ver se conseguia os segredos mágicos de um deus estrangeiro poderoso, é tipicamente expressiva da mentalidade que todavia ostentam os africanos com relação aos deuses estrangeiros. Os estudam, experimentam seu "poder" e se julgam que são efetivos, sem mais, os incorporam a seu panteão. Dali a insistência da rainha de Saba em interrogar a Salomão e seu ficar atônita pelas respostas e efetividade do que era conseguido no "Templo" com os ritos e "sacrifícios" que ali eram empregados.

Quanto a mulheres, sua primeira esposa foi uma egípcia, filha do faraó Siamon, da XXI dinastia; mas em seguida as coisas transbordaram um pouco, pois manifesta-se que o piedoso rei reuniu em seu harém nada menos que a 1.000 esposas mais, 700 oficiais e 300 concubinas, todas elas estrangeiras e de todas as raças, importadas e pagas a preço de ouro. O episódio da visita que a rainha de Saba fez a Jerusalém, mais que nada para certificar-se se a fama do explendor e sabedoria do monarca era merecida, carece de importância enquanto ao conseguinte pressumível idílio que pode ser desenvolvido, enquanto que a teve e a tem por razão de duas notícias reveladoras: a que indica a presença geográfica da rainha e a que sugere o tipo de sabedoria que ela e Salomão possuiam.

O texto bíblico relata assim as coisas: "Depois de terminado o Templo, o rei Salomão construiu também uma frota em Esionguéber (hoje Aqaba), que está junto a Elat, sobre a margem do Mar Vermelho, no país de Edom. Os livros de todos os bons mestres ocultistas do Ocidente existem comentários o símbolo usado por Salomão, também conhecido como Estrela de Davi e Sêlo de Salomão, denominações que indicam sua antiguidade. De fato, a estrela com seis pontas remonta às eras pré-cristãs, época veramente nebulosas, e não é uma exclusividade da cultura judaica; ao contrário, pertence ao acervo de signos mágicos de diferentes povos em diferentes épocas.

A estrela é um legado que os patriarcas de Israel receberam no contexto do sincretismo religioso resultante do encontro das culturas hindu-arianas (Índia) e semitas da Mesopotâmia (atual Iraque). Desde Abraão, a estrela atravessou séculos até chegar ao Rei Salomão, filho do Rei Davi. Os segredos da estrela foram revelados a Salomão como parte de sua iniciação nos Mistérios de Deus. Salomão, ícone representativo de sabedoria, foi, realmente, um Mago, ou seja, um conhecedor de forças metafísicas. A "lenda histórica" conta que Salomão obteve a revelação das Ciências Ocultas de fonte divina, Ciência esta que consiste na Cabala Judaica, "magia" das relações de poder entre números e palavras.

Em sua obra Dogma e Ritual da Alta Magia, o ocultista francês do século XIX, Eliphas Levi, inclui o seguintes comentários sobre o Selo de Salomão:
O verbo perfeito é ternário, porque supõe um princípio inteligente, um princípio que fala e um princípio falado. (...) O ternário está traçado no espaço pela ponta culminante do céu, o infinito em altura, que se une por outras linhas retas ao oriente e ao ocidente. Mas a esse triângulo visível, a razão compara outro triângulo invisível, que ela afirma ser igual ao primeiro; é o que tem por vértice a profundeza e cuja base virada é paralela à linha horizontal que vai do oriente ao ocidente. Estes dois triângulos, reunidos numa só figura, que é a de uma estrela de seis raios, formam o signo sagrado do sêlo de Salomão, a estrela brilhante do macrocosmo. A idéia do infinito e do absoluto é expresssa por este signo, que é o grande pentáculo, isto é, o mais simples e o mais completo resumo da ciência de todas as coisas. A própria gramática atribui três pessoas ao verbo. A pessoa que fala; a pessoa a quem se fala; a coisa de que se fala (pronome pessoal em primeira pessoa, pronome pessoal em terceira pessoa e objeto). O princípio infinito, ao criar, fala de si mesmo para si mesmo. (LEVI, p 90. Pensamento, 1993).
O duplo triângulo de Salomão é explicado por São João de modo notável. Há, diz ele, três testemunhos no Céu: o Pai, o Logos (Filho) e o Espírito Santo, e três testemunhos na Terra: o enxofre, a água e o sangue. São João está, assim, de acordo com os mestres da filosofia hermética o enxofre significa "o éter" (espírito), a água é anima, a força vital e o sangue, é a carne a matéria, a terra, os corpos. Se supõe que o espírito vem do céu, o operador deve ficar no cimo e colocar o altar da fumigações na base; se deve subir do abismo, o operador ficará na base. O símbolo sagrado dos dois triângulos reunidos, formando a estrela de seis raios e que é conhecida, em magia, sob o nome de pentáculo ou Sêlo de Salomão.

Dado por Gabriel a Salomão, o anel dos quatro ventos, transformou-o no rei dos gênios, segundo se conta no meio mistico oculto, mas, não tenho duvidas, que isso na verdade não resume todo segredo. Se realmente existiu esse anel, ele era apenas uma das ferramentes que pertenciam a Salomão. Dizem que em certo período de sua vida o rei teve este anel roubado, pelo djin Sakr, que ocupou o seu lugar, explicando-se, desta maneira, um período de politeísmo e de magia do seu reinado, quando perdeu o seu harém e os seus tesouros. Salomão recuperaria o anel de dentro da barriga de um peixe, como em um velho conto de fadas.

A rainha de Sabá foi considerada pelo Zoa como uma djina, um demônio feminino do deserto, sendo ela por isso ligada a Lili. Na realidade Sabá seria o arquétipo feminino ligado às mulheres independentes e de comportamento totalmente inaceitável, no tempo do Velho Testamento. Isso ocorreu por causa das tradições judaicas que sempre foram contrárias a ela, pois representava a mulher estrangeira, de outra cultura, em competição com a mulher nativa, capaz de transmitir aos filhos as tradições venerandas. Esta concorrência entre a mulher estrangeira e a nativa sempre foi uma constante nas tradições arcaicas, daí as crianças terem de ser protegidas contra os seus malefícios. Sabá também pode corresponder a Istar, a deusa da fertilidade dos povos semitas do fértil crescente, amoritas, cananeus, babilônios, arameus, judeus e assírios, entre outros, com um panteon de deuses da natureza, em que as primícias e os primogênitos eram queimados, em seu louvor. Seria ainda uma forma de Isis, a pomba negra egípcia, cultuada com ritos da fertilidade em vários pontos do Oriente.

Hoje entendemos melhor a figura da rainha de Sabá, personificando essa mulher estrangeira capaz de interferir, na sucessão israelita, através da sua beleza, a madrasta cruel eliminadora dos enteados, mandada de volta para a Arábia ou Abissínia, com o seu herdeiro, como um dia Agar também o foi. Tudo na verdade depende da forma interpretativa, de um olhar sem stigmatismo, fanatismo ou sectarismos.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

A Busca pelo poder no Cristianismo Primitivo

A corrida pelo poder no cristianismo primitivo: A função política das aparições do Jesus ressurreto.

"[...] ao examinarmos o efeito prático, paradoxal, no movimento cristão, podemos ver como a doutrina da ressurreição do corpo também serve a uma função política essencial: legitima a autoridade de certos homens que reivindicam o exercício da liderança sobre as igrejas como sucessores do apóstolo Pedro. Desde o século II, a doutrina serviu para validar a sucessão apostólica dos bispos; base, até hoje, da autoridade papal" - Elaine Pagels Ph.D, professora de religião na Universidade de Princeton.

A crença cristã da ressurreição de Jesus de Nazaré, assim como na morte redentora de Cristo, constitui-se o núcleo da fé querigmática cristã apresentadas nas comunidades paulinas, e sua antiguidade é bem atestada. Essa crença começou a ser espalhada nas origens cristãs pelas comunidades do "querigma da morte" mediante o relato de experiências epifânicas em que os discípulos alegaram terem presenciado aparições de Jesus.

Na sua primeira epístola aos Coríntios (15.3-11), Paulo nos apresenta a relação dessas aparições com outros fatores que se combinaram para formar a fé cristã primitiva:

"Transmiti-vos, em primeiro lugar, aquilo que eu mesmo recebi: Cristo morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras. Foi sepultado, ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. Apareceu a Cefas, e depois aos doze. Em seguida, apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma vez [...]. Posteriormente, apareceu a Tiago, e, depois, a todos os apóstolos. Em último lugar, apareceu também a mim como a um abortivo. [...] tanto eu como eles, eis o que proclamamos. Eis também o que acreditastes".

Esses anúncios de aparições ajudaram a fundamentar a crença de que Jesus havia ressuscitado dos mortos. Desse modo, o cristianismo, como qualquer outra religião, tem início com um acontecimento mítico e sobrenatural.

No entanto, há uma outra questão implícita dentro das alegações de aparições sobrenaturais de Jesus ressuscitado. Era uma questão política, ligada ao poder dentro da igreja primitiva. De acordo com Pagels (2006, p. 7), logo nos primórdios do cristianismo, muitos cristãos compreenderam as possíveis conseqüências políticas de terem "visto o Senhor ressuscitado".

Pedro (Cefas), de acordo com a tradição paulina (1Co 15.5) e com a tradição lucana (Lc 24.34), foi o primeiro discípulo a experimentar uma epifania de Jesus ressuscitado – o que lhe daria o direito de ser o "líder".

Várias igrejas católicas e algumas igrejas protestantes ainda conservam a tradição de que foi Pedro "a primeira testemunha da ressurreição", e por isso o líder de direito da igreja. De fato, logo após a morte de Jesus, foi Pedro quem assumiu o grupo como líder e porta-voz. Segundo João, ele recebera autoridade da única fonte reconhecida pelo grupo – do próprio Jesus, falando agora além do túmulo.

Deve-se ter em mente que a questão da "liderança petrina" insere-se em um contexto mais amplo, numa época em que floresciam diversas formas de cristianismo, já nos primeiros anos do movimento cristão. Nesse contexto, centenas de pregadores rivais reivindicavam, todos, pregar a "verdadeira doutrina do Cristo" e denunciavam uns aos outros como impostores. Os cristãos dispersos em igrejas da Ásia Menor à Grécia, Jerusalém e Roma dividiam-se em facções, disputando a liderança da igreja. Todos pleiteavam representar "a autêntica tradição".

Como Pedro, Paulo também era um desses pregadores que reivindicavam pregar a "verdadeira doutrina do Cristo".

Pagels (ibid., p. 6) assinala o fato de que as supostas aparições de Cristo ressuscitado possuem mais implicações políticas do que verídicas, e que se os cristãos alegavam que Jesus realmente havia ressuscitado é porque eles possuíam motivos bastantes políticos para isso.

Um desses motivos seria que, se o Cristo Ressuscitado poderia delegar a liderança do movimento a este ou aquele discípulo. No Evangelho de Lucas se diz que os discípulos ouviram que "O Senhor ressuscitou, de fato, e apareceu a Simão [Pedro]!" (Lc 24:34). O que ele disse a Pedro? O relato de Lucas sugere aos cristãos das gerações posteriores que ele nomeou Pedro seu sucessor, outorgando-lhe a liderança. O Evangelho de Mateus diz que, durante a vida, Jesus já havia decidido que Pedro, a "pedra", seria o fundador de sua futura instituição. Evangelho de João, por sua vez, sustenta que o Cristo ressuscitado teria dito a Pedro que ele deveria tomar o lugar de Jesus como "pastor" do seu rebanho.

Paulo, por sua vez, era apenas um representante de uma facção diferente – aquela que certamente "venceu" todas as demais mais tarde.

Paulo, um dos grandes líderes cristãos dos primórdios, nos fala de pelo menos três grandes "líderes" na igreja primitiva: Pedro, Tiago e João (Gl 2.9). De acordo com a tradição, estes três grandes líderes na igreja primitiva, ao contrário de Paulo, haviam sido discípulos diretos de Jesus, juntamente com o grupo denominado "Os Doze" e outros discípulos. No entanto, existe algo que tanto Paulo como esses outros líderes cristãos e discípulos de Jesus tinham em comum: todos haviam visto Jesus Cristo ressuscitado, ou alegavam tê-lo visto (1Co 15.3-7).

Paulo, ao disputar autoridade com diversos outros "líderes" das comunidades cristãs primitivas, chega a indagar: "Não sou apóstolo? Não vi Jesus nosso Senhor?" (1Co 9.1).
Paulo havia sido o último a receber a visão do "nosso Senhor ressuscitado". De acordo com Vermes (ibid., p. 80), o calcanhar-de-aquiles de Paulo era a natureza questionável do seu status como apóstolo. Ele estava convencido de que era um "apóstolo de Jesus Cristo".

Paulo, em 1Coríntios 15, versículo 10, alega que trabalhou "muito mais do que todos eles", ou seja, do que todos a quem o Jesus ressurrecto havia aparecido. Por essa e outras razões, Paulo se considerava apóstolo tal ou até mais do que Pedro, Tiago e os demais.

Vermes (ibid., p. 82) também afirma que, como resultado da visão de Jesus ressuscitado, Paulo sentiu-se plenamente autorizado por Jesus, sem precisar de nomeação. De fato, um vínculo entre "autoridade apostólica" e "visão de Jesus ressuscitado" começa a se tornar explícita dentro desse contexto, não apenas para Paulo, mas de modo geral.

No contexto religioso-político das primeiras comunidades cristãs querigmáticas, o melhor modo dos cristãos primitivos resolverem as diversas disputas teológicas, estabelecerem a ortodoxia dos ensinamentos sobre os "heréticos" e firmarem sua autoridade era através de alegações sobre aparições em que o Jesus ressuscitado, aquele que foi a "única autoridade reconhecida por todos", delegava o poder (ibid., p. 6).

Foi isso que Paulo fez. Paulo contesta a autoridade dos "Três Pilares", alegando que o Jesus ressuscitado havia "aparecido" para si e lhe dado revelações específicas.

Paulo enfatiza tais aparições não para ressaltar o aspecto sobrenatural da religião cristã, mas para se designar como alguém chamado e escolhido por Deus e por Jesus para tomar um papel de liderança na igreja primitiva.

Por isso, Crossan (1995, p. 237) afirma que Paulo precisou, em 1Coríntios 15.1-11, igualar sua própria experiência com aquela dos apóstolos precedentes – igualar, a sua validade e legitimidade, mas não necessariamente o seu modo ou maneira.

Pagels (op.cit. p. 9-10) afirma que o círculo de liderança se restringe a um pequeno grupo de pessoas cujos membros estão em posição de autoridade incontestável. Desse modo, apenas os apóstolos têm direito a ordenar futuros líderes como sucessores.

Ou seja: Jesus, após morrer e ressuscitar no terceiro dia aparece para um número limitado de discípulos, sendo que primeiro aparece a Pedro. Logo após essas aparições, a tradição evangélica nos conta que Jesus foi elevado ao céu. Sua elevação ao céu fecharia o leque de aparições a um número limitado de discípulos após a ressurreição. Desse modo, a autoridade eclesiástica fornecida pela aparição de Jesus se concentrava nas mãos de poucos indivíduos.

A estratégia de Paulo para alcançar poder dentro das comunidades cristãs primitivas não foi apenas alegar que Jesus havia aparecido para ele também – vários anos depois das aparições pós-pascais –, mas também tentar equiparar sua experiência epifânica com a dos demais apóstolos e, da mesma forma, tentar minar a autoridade do número reduzido de discípulos que tiveram experiências de aparição pós-pascal alegando que um número bastante ampliado de pessoas ("mais de quinhentos irmãos", segundo 1Co 15.6) também haviam tido experiências epifânicas com o Jesus ressuscitado. De fato, este era um excelente argumento a favor Paulo para tornar a situação política mais favorável para si mesmo. 1Co 15.5-9 não deixa implícito que tais aparições tenham ocorrido nos dias posteriores a alegada ressurreição de Jesus ou se ocorreram bem mais tarde, como a sua própria. Essa indefinição também exerceu importante papel na busca de Paulo pelo poder.
Não apenas Paulo contesta o poder de Pedro e dos demais apóstolos; também o faz o autor do Evangelho de Marcos e o autor do Evangelho de João décadas depois.

Enquanto Pedro se firmava como autoridade na igreja primitiva por causa da primazia na ressurreição, Tiago tentava enfatizar a sua importância por causa de sua revelação e de seu laço de sangue com Jesus, e Paulo corria atrás da mesma autoridade ao afirmar que o "Senhor" havia aparecido a ele também. Marcos, por sua vez, de acordo com Crossan (1995), era um "crítico ferrenho de Pedro, João e Tiago" (este último incorporado, em seu evangelho, como "filho de Zebedeu" e não como o "Irmão do Senhor"), e por isso tenta minar essa autoridade destacando mulheres no sepulcro e omitindo por completo as aparições.

De forma alguma Marcos nega a ressurreição. Para deixar isso explicito, ele coloca um "jovem" no sepulcro quando ocorre a visita das três mulheres. O que Marcos, implicitamente, nega é a autoridade dos apóstolos, a qual foi concebida nas comunidades cristãs primitivas por meio das aparições. Marcos, de fato, percebe a "jogada política" existente do uso de alegadas "aparições de Jesus".
Pagels (2006, p. 7) afirma que existiam, em contrapartida, outras tradições cristãs primitivas que tentavam minar a autoridade e primazia de Pedro ao colocar outro personagem como a primeira testemunha da ressurreição: os evangelhos de Marcos e de João nomeiam ambos Maria Madalena, e não Pedro, como a primeira testemunha da ressurreição.

Meier (1998, p. 199), afirma que, de acordo com Hengel, a menção as três mulheres em Mc 16,1 e Lc 24,10 é uma justaposição aos três homens considerados líderes das comunidades cristãs primitivas: Pedro, Tiago e João. Esses eram conhecidos como os "três pilares" da comunidade de Jerusalém em Gl 2,9. Nesse sentido, Hengel sugere que a lista de três mulheres, sempre encabeçada por Maria Madalena, indica autoridade ou prestígio na primitiva comunidade cristã.

Crossan (2004, 582) também nota esse paralelo incomum, ao afirmar que, enquanto a tradição pré-paulina fala de Pedro e os Doze e de Tiago e os apóstolos, os textos evangélicos canônicos enfatizam muito mais o papel de Maria e as mulheres.

Colocar Maria Madalena e outras mulheres – figuras sem papel de liderança na igreja primitiva – como sendo as primeiras testemunhas da ressurreição, de fato, contrariaria o poder de Pedro no cristianismo primitivo.

De acordo com Crossan (1995, p. 242), as aparições de Jesus a determinados indivíduos relatadas nos evangelhos nada têm a ver, absoltamente, com as experiências em êxtase ou revelações em transe. São questões de autoridade que estão sob discussão nessas passagens. Há um grupo de liderança dentro da comunidade? Deverá haver alguém encarregado da comunidade e do grupo? Que tipo de pessoa deve ser? Quem deverá ser? As respostas vêm do que o Jesus ressuscitado diz e, especialmente, para quem o Jesus ressuscitado fala.

Lucas 24.12 narra que Pedro correu até o túmulo de Jesus e, olhando para dentro, o viu vazio, apenas com os lençóis. E depois "voltou pra casa, admirado do que acontecera".

Lucas 24.33-35 nos diz que "O Senhor ressuscitou de verdade e apareceu a Simão [Pedro]". Lucas, apesar de não narrar essa aparição, mas somente a alude de forma vaga na boca dos discípulos, coloca Pedro como o primeiro a ver o "Senhor".

Crossan (ibid., p. 240) afirma que um membro de outra comunidade ou tradição cristã, que conhecesse muito bem aquela ênfase na liderança de Pedro, mas que desejasse se opor a ela em favor do seu próprio líder específico, deveria criar um relato alternativo sobre uma aparição de Jesus ressuscitado, ao alterar e/ou acrescentar detalhes que coloquem em primazia determinado personagem.

Desse modo, Crossan (ibid., loc. cit.) ressalta que a corrida para o túmulo tornou-se um duelo de autoridade. O autor do Evangelho de João faz Pedro entrar primeiro, conforme Lucas 24:12 exige. Mas diz que o Discípulo Amado acredita. Ele não diz que Pedro acredita ou não acredita, mas enfatiza que o Discípulo Amado o fez.

De fato, a seguinte pergunta é bastante pertinente: "como poderiam aqueles que preferiam a liderança de Pedro reagir contra essa narrativa?" (ibid., loc. cit.). A reação, naturalmente, foi contra-atacar. Tal como fizeram com o Evangelho de Marcos, cristãos posteriores acrescentaram no Evangelho de João, que terminada no capítulo 20, um capítulo a mais. O capítulo inteiro é sobre a aparição do Jesus ressurrecto no mar de Tiberíades. Pedro é o personagem principal desse capítulo. De fato, Pedro é colocado acima do Discípulo Amado.

Da mesma forma como Pedro nega Jesus três vezes em João 18.15-18,25-27, no capitulo 21 – versículos 9,15-17 do evangelho de João, mais uma vez diante de uma "fogueira", – ele reafirma Jesus três vezes. Pedro, então, é encarregado de "apascentar" os cordeiros e as ovelhas de Jesus, isto é, a comunidade geral e o grupo de liderança da igreja. De fato, podemos perceber disputas políticas influenciando até mesmo na confecção dos evangelhos! A mesma disputa que Paulo já praticava nos anos 50, é a mesma que aparece nos anos 80-90 (Lucas), em João (100-110) e nos séculos seguintes (Capítulo 21 de João).

Em todo o caso, tais alusões sobre aparições post-morten de Jesus aos seus discípulos, encontradas em várias camadas da tradição evangélica e paulina, a despeito de suas conseqüências políticas, sugerem o quanto revelações sobrenaturais, visões, epifanias, e outras experiências semelhantes eram importantes para a comunidade cristã primitiva.

Desde o início, o cristianismo buscou orientação sobrenatural em sua missão, sendo que a intensa reverência cristã aos eventos carismáticos constitui uma boa indicação disso. O fato é que essas revelações de caráter supostamente divino abriram espaço para novas concepções, idéias e interpretações, motivando a formação das lendas que atualmente sustentam o imaginário e o dogma da fé cristã.
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Bibliografia
BÍBLIA DE JERUSALÉM. Nova edição, revista e ampliada. 4ª impressão. São Paulo: Ed. Paulus, 2006.
CROSSAN, John Dominic. Quem matou Jesus? As raízes do anti-semitismo na história evangélica da morte de Jesus. Tradução: Nádia Lamas. Rio de Janeiro: Imago ed., 1995.
______________________. O nascimento do Cristianismo: o que aconteceu nos anos que se seguiram à execução de Jesus. São Paulo: Paulinas, 2004.
MEIER, John P. Um judeu marginal: Repensando o Jesus Histórico: Milagres. Rio de Janeiro: Imago, 1998. Vol. II, livro III.
PAGELS, Elaine. Os Evangelhos Gnósticos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006.
VERMES, Geza. As várias Faces de Jesus. Rio de Janeiro: Record, 2006.
(Obs.: O presente artigo faz parte de um trabalho publicado com direitos autorais. O uso indevido desse material por terceiros, sem a autorização do autor, acarretará em punição legal).